São Paulo, terça-feira, 26 de fevereiro de 2002

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MÚSICA

Soprano apresenta-se na quinta em SP; dia 1º divide palco com Gil e Milton

Arte pode mostrar dor pelo terrorismo, diz Norman

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A soprano norte-americana Jessye Norman, 56, faz na quinta a primeira das três apresentações programadas para o teatro Alfa, acompanhada pelo pianista Mark Markham e com peças de Schubert, Ravel e Wagner.
Na récita do dia 1º, com bilheteria revertida a entidades beneficentes, ela dividirá o palco com Milton Nascimento e Gilberto Gil.
É a segunda vez que Norman canta no Brasil. Em duas outras ocasiões, em 1999 e no final do ano passado, sua vinda acabou sendo cancelada de última hora.
Em entrevista à Folha ela diz não acreditar que os atentados de 11 de setembro tornem o público norte-americano mais conservador no consumo musical.
Jessye Norman diz também que talvez esteja chegando ao fim a crise dos CDs de música erudita do mercado discográfico. Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista.

Folha - Há um certo consenso no fato de os norte-americanos terem se tornado mais conservadores após os atentados de 11 de setembro. Há algum risco de esse conservadorismo contaminar as preferências musicais?
Jessye Norman -
Em meu caso, continuo a cultivar o repertório contemporâneo que pode eventualmente contrariar uma visão conservadora do repertório. Não permitiria que os terroristas, indiretamente, interferissem em minhas escolhas musicais.

Folha - É uma posição plausível. Mas será que ela é compartilhada por todos nos Estados Unidos?
Norman -
Não acredito que estejamos correndo o risco de cair no conservadorismo artístico. Não há por enquanto sintomas de que isso esteja acontecendo. Muito pouco tempo passou desde os atentados de setembro. As temporadas artísticas já estavam definidas e nelas nada mudou.

Folha - Existiria algum risco de "patrulhamento", com compositores produzindo peças em homenagem às vítimas do terrorismo e o público considerando impatriótico que músicos não interpretem esse tipo de música?
Norman -
Devemos considerar natural o fato de se compor músicas que evoquem as milhares de pessoas que morreram nos atentados. Há uma dor intensa que as artes ajudam a exprimir. Não há nada de errado nisso.

Folha - A senhora chegou a ser convidada a interpretar uma dessas composições?
Norman -
Sim, fui convidada. Haverá em breve uma cerimônia organizada pela Prefeitura de Nova York, da qual eu e outros artistas participaremos. Não posso dar detalhes, que serão oportunamente anunciados.

Folha - Em São Paulo a senhora cantará Schubert, Ravel e Wagner. Por que não um pouco de Mozart?
Norman -
Infelizmente só cantarei Mozart mais para a frente. Este ano também participarei, no segundo semestre, de duas montagens líricas, com composições de Schoenberg e Poulenc.

Folha - Como a senhora vê a enorme retração no mercado norte- americano de CDs clássicos?
Norman -
É algo dramático. Nos últimos anos o consumidor deixou de comprar os CDs que vinham substituindo os discos de vinil que tinham em suas prateleiras. Mas há também o desapontamento dos consumidores iniciantes com interpretações de baixíssima qualidade, que eram baratas e chegaram a inundar o mercado. Há ainda o fato de as grandes gravadoras terem sido incorporadas a conglomerados empresariais que só aceitam investimentos de rápido retorno, o que acaba prejudicando a diversidade e a qualidade dos catálogos colocados à disposição do público.

Folha - O mercado também se acovardou. Tem medo de lançar artistas desconhecidos que não dêem esse rápido retorno.
Norman -
Com certeza, o que é muito ruim. Novos artistas têm hoje maior dificuldade em gravar e em se tornarem conhecidos.

Folha - Será que com isso aumenta o fosso que tradicionalmente separa o número dos cantores que trabalham e a minoria daqueles que conseguem gravar?
Norman -
Há 20 anos, as pessoas com decisão de investimento nas grandes gravadoras entendiam de música e procuravam novos talentos. Hoje essas pessoas pertencem a conglomerados de TV a cabo ou telecomunicações.

Folha - Será que há hoje muitas outras Jessye Norman que permanecem no anonimato?
Norman -
Seria muito triste se isso estivesse acontecendo.



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