Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Soprano apresenta-se na quinta em SP; dia 1º divide palco com Gil e Milton
Arte pode mostrar dor pelo terrorismo, diz Norman
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
A soprano norte-americana
Jessye Norman, 56, faz na quinta a
primeira das três apresentações
programadas para o teatro Alfa,
acompanhada pelo pianista Mark
Markham e com peças de Schubert, Ravel e Wagner.
Na récita do dia 1º, com bilheteria revertida a entidades beneficentes, ela dividirá o palco com
Milton Nascimento e Gilberto Gil.
É a segunda vez que Norman
canta no Brasil. Em duas outras
ocasiões, em 1999 e no final do
ano passado, sua vinda acabou
sendo cancelada de última hora.
Em entrevista à Folha ela diz
não acreditar que os atentados de
11 de setembro tornem o público
norte-americano mais conservador no consumo musical.
Jessye Norman diz também que
talvez esteja chegando ao fim a
crise dos CDs de música erudita
do mercado discográfico. Leia a
seguir os principais trechos de sua
entrevista.
Folha - Há um certo consenso no
fato de os norte-americanos terem
se tornado mais conservadores
após os atentados de 11 de setembro. Há algum risco de esse conservadorismo contaminar as preferências musicais?
Jessye Norman - Em meu caso,
continuo a cultivar o repertório
contemporâneo que pode eventualmente contrariar uma visão
conservadora do repertório. Não
permitiria que os terroristas, indiretamente, interferissem em minhas escolhas musicais.
Folha - É uma posição plausível.
Mas será que ela é compartilhada
por todos nos Estados Unidos?
Norman - Não acredito que estejamos correndo o risco de cair no
conservadorismo artístico. Não
há por enquanto sintomas de que
isso esteja acontecendo. Muito
pouco tempo passou desde os
atentados de setembro. As temporadas artísticas já estavam definidas e nelas nada mudou.
Folha - Existiria algum risco de
"patrulhamento", com compositores produzindo peças em homenagem às vítimas do terrorismo e o
público considerando impatriótico
que músicos não interpretem esse
tipo de música?
Norman - Devemos considerar
natural o fato de se compor músicas que evoquem as milhares de
pessoas que morreram nos atentados. Há uma dor intensa que as
artes ajudam a exprimir. Não há
nada de errado nisso.
Folha - A senhora chegou a ser
convidada a interpretar uma dessas composições?
Norman - Sim, fui convidada.
Haverá em breve uma cerimônia
organizada pela Prefeitura de Nova York, da qual eu e outros artistas participaremos. Não posso dar
detalhes, que serão oportunamente anunciados.
Folha - Em São Paulo a senhora
cantará Schubert, Ravel e Wagner.
Por que não um pouco de Mozart?
Norman - Infelizmente só cantarei Mozart mais para a frente. Este
ano também participarei, no segundo semestre, de duas montagens líricas, com composições de
Schoenberg e Poulenc.
Folha - Como a senhora vê a enorme retração no mercado norte-
americano de CDs clássicos?
Norman - É algo dramático. Nos
últimos anos o consumidor deixou de comprar os CDs que vinham substituindo os discos de
vinil que tinham em suas prateleiras. Mas há também o desapontamento dos consumidores iniciantes com interpretações de baixíssima qualidade, que eram baratas
e chegaram a inundar o mercado.
Há ainda o fato de as grandes gravadoras terem sido incorporadas
a conglomerados empresariais
que só aceitam investimentos de
rápido retorno, o que acaba prejudicando a diversidade e a qualidade dos catálogos colocados à
disposição do público.
Folha - O mercado também se
acovardou. Tem medo de lançar artistas desconhecidos que não dêem
esse rápido retorno.
Norman - Com certeza, o que é
muito ruim. Novos artistas têm
hoje maior dificuldade em gravar
e em se tornarem conhecidos.
Folha - Será que com isso aumenta o fosso que tradicionalmente separa o número dos cantores que
trabalham e a minoria daqueles
que conseguem gravar?
Norman - Há 20 anos, as pessoas
com decisão de investimento nas
grandes gravadoras entendiam de
música e procuravam novos talentos. Hoje essas pessoas pertencem a conglomerados de TV a cabo ou telecomunicações.
Folha - Será que há hoje muitas
outras Jessye Norman que permanecem no anonimato?
Norman - Seria muito triste se isso estivesse acontecendo.
Texto Anterior: Artes visuais: Petrobras anuncia 11 selecionados Próximo Texto: Soprano não poupa voz em récita Índice
|