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São Paulo, quarta-feira, 26 de fevereiro de 2003

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"A verdade é ambígua", diz Isabelle Huppert

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

"A verdade é complexa, ambígua. Atualmente, há menos maniqueísmo no cinema ou no teatro. Uma mulher má, por exemplo, também pode ser representada com uma certa sensibilidade", afirma Isabelle Huppert, 49.
Uma das principais atrizes da cena francesa contemporânea, ela emana, pessoalmente, a interioridade característica das suas personagens, como se viu na conversa com os jornalistas brasileiros na tarde de segunda-feira.
No saguão do Sesc Anchieta, recém-chegada de viagem, Huppert falou sobre "4.48 Psychose".
"Deve-se ouvir a verdade na voz de Sarah Kane e transportá-la para o palco", segue a atriz em sua obsessão pela essência contida na "sinceridade espontânea" da autora britânica que se enforcou em 1999, aos 28 anos. O suicídio, um dos temas da peça, não ofusca o paroxismo de Kane, cuja pequena e perturbadora obra (cinco peças) expõe também a sua tomada de partido pela vida, lembra a atriz.
Após uma das sessões realizadas nesses cinco meses de temporadas pela Europa (a última em Portugal), Huppert ouviu o comentário de um amigo segundo o qual Kane talvez não cometeria o suicídio se tivesse assistido à montagem que ora protagoniza.
Kane tinha fé na capacidade de o teatro tocar e transformar as pessoas. Ela mesma se dizia mobilizada por essa arte, pela escrita.
Juliana Galdino, a Medéia de Antunes Filho, aproveita brecha entre os jornalistas para perguntar sobre o trabalho de voz na interpretação da colega francesa que, dois anos atrás, também viveu no palco as agruras da feiticeira de Eurípides que pratica o infanticídio para vingar o seu amor.
"A musicalidade da voz vem de uma partitura rígida. Mas, exatamente por ser tão rígida, é possível fazer algumas alterações a cada representação", diz Huppert.
Inevitável a abordagem do cinema, lá se vão três décadas. A atriz não advoga para si o monopólio dos papéis de mulheres que sofrem "contorções psicológicas", como a masoquista professora de piano de Michael Haneke.
A fonte de inspiração, assegura, não é autobiográfica. "Quando vou buscar as experiências pessoais, nunca as encontro nos lugares que esperava", afirma.
Protegida pelos óculos escuros, Isabelle Huppert pontua suas falas com silêncios e bom humor, até revelar-se, uma "preguiçosa", afeita aos papéis que mais escondem do que revelam. "Eles exigem menos de mim", justifica.


ENCONTRO COM ISABELLE HUPPERT.
Onde: teatro Sesc Anchieta (r. Dr. Vila Nova, 245, SP, tel. 0/xx/11/3234-3000). Quando: amanhã, às 16h. Quanto: entrada franca (retirar ingresso uma hora antes).



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