São Paulo, quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004

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TEATRO

Segundo pesquisador, diretor argentino de "O Balcão" (69) pendeu mais para o comercial do que para a vanguarda

Livro revê papel de Victor Garcia no Brasil

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Em "A Roda, a Engrenagem e a Moeda: Vanguarda e Espaço Cênico no Teatro de Victor Garcia no Brasil", que acaba de ser lançado pela editora Unesp, o pesquisador Newton de Souza propõe-se a rever o papel do diretor argentino entre nós.
Resultado da dissertação de mestrado que Souza, 38, defendeu na Unesp, em 1999, o livro aponta "contradições" e "distorções" estéticas e ideológicas do artista que desenvolveu trabalhos no país entre 1968 e 1974, capitaneado pela atriz e produtora Ruth Escobar.
Procurada pela reportagem, Escobar, 67, disse que ainda não leu o livro de Souza, mas irá fazê-lo. "Se Victor Garcia foi, talvez, incensado demais, não o foi apenas no Brasil, mas na França, na Europa também", afirma.
A subversão do espaço cênico, principal marca do trabalho de Garcia (1934-82), teria sofrido "apropriações mercadológicas", segundo afirma Souza, 38, à Folha, ele que se apóia em pensadores marxistas como Bertolt Brecht e Ernst Fischer. Em suma, defende que havia mais apelo comercial nos espetáculos do que impacto de vanguarda.
Garcia é freqüentemente citado na história do teatro brasileiro por renovar a cena descartando os formatos arquitetônicas tradicionais do palco, como o frontal italiano e a arena grega.
Naquela que foi sua montagem mais emblemática, "O Balcão" (69), do francês Jean Genet, o diretor concebeu, ao lado do arquiteto Wladimir Pereira Cardoso, um espaço vertical e circular, um poço com cerca de 17 metros, do porão ao urdimento da sala Gil Vicente do teatro Ruth Escobar.
A platéia era disposta nas laterais do "funil" para acompanhar aquilo que a dramaturgia de Genet descrevia como um sofisticado bordel pronto a satisfazer as fantasias de seus clientes -alegoria do autor para criticar valores e instituições da sociedade, como a igreja, a Justiça e o Exército. Mas Souza diz que "o espaço cênico não contribuiu para produzir as críticas que o texto propunha".
Além de "O Balcão", o pesquisador analisa os espetáculos "Cemitério de Automóveis" (68), texto do marroquino-espanhol Fernando Arrabal (ocasião em que estreou em São Paulo, a convite de Escobar, que assistira à montagem em Paris); e "Autos Sacramentais" (74), do espanhol Calderón de la Barca, que estreou num festival do Irã e nunca foi apresentado no Brasil.
Souza escreve que as criações de Garcia, "recebidas com exaltação como obras de "vanguarda", careceram de uma crítica mais analítica e que aproveitasse a profundidade das questões abordadas pelas montagens para além da mera fruição". Estabelece contraponto com os movimentos das vanguardas artísticas do século 20, que buscaram "revolucionar o mundo por meio da implosão dos valores burgueses, da iconoclastia e da emancipação do homem".
O livro também contextualiza as teorias do francês Antonin Artaud, com quem parte da crítica via relação automática com Garcia, o que Souza discorda. Tampouco foram deixados de lado a contracultura nas artes cênicas dos 60 e 70 (Oficina, Living Theatre) e aspectos sociais, políticos e econômicos (regime militar, crescimento industrial) que pesavam sobre as ações individuais.


A RODA, A ENGRENAGEM E A MOEDA: VANGUARDA E ESPAÇO CÊNICO NO TEATRO DE VICTOR GARCIA NO BRASIL. Autor: Newton de Souza. Editora: Unesp. Quanto: R$ 22 (173 págs.).


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