São Paulo, quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004

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ARTES CÊNICAS

Coreógrafo brasileiro apresenta em Bruxelas e Paris seus dois últimos espetáculos e volta ao país em maio

Cristian Duarte descarta excessos dos movimentos

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

A dança como arte das idéias: o corpo como instrumento de reflexão -reflexão que só pode se dar, afinal, no domínio material do próprio corpo. Bom número de criadores contemporâneos encontra aí seu domínio de vida, agora que a vida mais parece ter perdido o domínio.
É o caso do premiado coreógrafo e bailarino brasileiro Cristian Duarte, que está em cartaz no teatro Beursschouwburg de Bruxelas. Em fins de abril, ele se apresenta também no Théatrê de la Bastille, em Paris, com dois espetáculos: "Middle High Tones" (2002) e "Embodied" (2003).
Duarte foi co-fundador e colaborador da Cia. Nova Dança. Recebeu vários prêmios, como o APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte), o Mambembe e o Capes/Aparts, que patrocinou seus estudos fora do país. Em 2000 esteve, então, na PARTS (Performing Arts, Research and Training Studios), uma das maiores escolas de dança contemporânea, dirigida por Anne Teresa de Keersmaeker, na Bélgica.
Foi nessa ocasião que criou "Middle High Tones", em colaboração com Shani Granot. Nessa peça são postos em xeque a função e o propósito de uma performance, seja para o espectador, seja para o próprio artista. Inspirado nas idéias de Anthony Barnett, o espetáculo aborda temas como a independência e a liberdade da consciência, em ambientes que sofrem constante adaptação.
Não é de hoje esse uso de teorias (estéticas e/ou científicas) e suas possibilidades de tradução como elemento organizador da coreografia. Urgências da percepção cotidiana são dramatizadas em urgências do movimento, da luz, do som; um campo de fluxos dispersos faz ver com outros olhos o cenário do mundo disperso.
Mas não é menos verdade que uma obra coreográfica será sempre um produto empírico, de natureza imprecisa. Cristian Duarte faz parte de uma geração de novos criadores que procura movimentos despojados, descartando os excessos. A dança não traz propriamente respostas às perguntas que propõe, mas, com elas, nos resgata do estado de observador passivo.
Co-produzido pelo Springdance Festival (Utrecht, Holanda) e pelo Théatrê de la Bastille, pode-se dizer que "Embodied" ("Personificado") é um trabalho complementar ao "Middle...". Inspira-se em idéias de Lakoff e Johnson, no livro "Philosophy in the Flesh" (1999). O corpo agora vê-se tratado como "substância": "O corpo vira DJ de si mesmo, podendo ser manipulado e recombinado, assim como tudo o que está à volta". Ao público, é sugerido que "cubra [antes] sua mente/ corpo com plástico bolha".
No final de maio, Duarte estará apresentando "Pressa" (1998) na Mostra de Dança Contemporânea, da Secretaria Municipal de Cultura, que premiou 35 grupos paulistas, promovendo a circulação dos trabalhos. Freqüência e velocidade são conceitos usados ali para pensar a diferença entre os corpos, como forma de convivência de vidas distintas.
Ao fundo, um documentário sobre elefantes; na frente, uma dança toda feita de apoios, quedas e impulsos, que faz de seus gestos algo de aparentemente livre e sem esforço. O movimento nasce da escuta, ou melhor, dos "estados de escuta", que se sucedem de acordo com uma insólita trilha musical. "O sentido se desloca do [que é] móvel para o observador, que urge pela associação dos fatos descolados -pressa." Seria só um clichê, se não fosse a dança. Seria só dança, se essa dança não quisesse e não pudesse ser mais, sempre mais, do que é.


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