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Vanguarda no museu
Americano Bob Wilson, figura de importância maior
no teatro, encena as tradicionais fábulas de La Fontaine
DO "NEW YORK TIMES", EM PARIS
O fabulista do século 17 Jean de
La Fontaine pode ter derivado as
tramas de muitas de suas alegorias animais de Esopo e dos contadores de histórias persas da antiguidade, mas as "Fábulas" resultantes não poderiam ser mais
francesas. Elas ganharam popularidade enorme enquanto La Fontaine estava vivo, sendo vistas como comentários sobre a natureza
humana e até hoje quase não existe francês que não seja capaz de
narrar várias dessas histórias.
Agora, pela primeira vez, um diretor natural do Texas e cujo domínio do francês é apenas rudimentar está encenando uma seleção das fábulas na Comédie Française, o santuário do classicismo
literário francês. No entanto, para
os círculos culturais franceses,
Robert Wilson não é um americano comum. Foi na França que ele
fez seu nome como diretor de
vanguarda, três décadas atrás, e é
na França, mais do que nos EUA,
que ele tem o status de figura de
importância maior no teatro.
Consequentemente, muitos dos
intelectuais franceses que compareceram à estréia da peça, no último 30 de janeiro, foram atraídos
tanto pela curiosidade em ver a
interpretação que Wilson faria de
La Fontaine quanto por suas memórias de "O Corvo e a Raposa",
por exemplo. Quando a cortina se
fechou, 105 minutos mais tarde,
eles pareciam estar em grande
medida satisfeitos, tanto que Wilson e equipe foram ovacionados.
A abordagem que Wilson escolheu para transformar poemas
num espetáculo visual foi a de
criar um quadro vivo. A decoração geométrica e a iluminação
multicolorida criaram um pano
de fundo de beleza austera para os
atores, que usavam máscaras
imaginativas e figurinos maravilhosos. Fugindo da tendência habitual de Wilson de fazer os atores
se moverem de modo altamente
estilizado, eles têm a liberdade de
correr, saltar, guinchar e trovejar.
Mesmo assim, a Comédie Française se arriscou bastante. Muito
antes da estréia, ela já programou
"Fables de la Fontaine" para ficar
em cartaz até 15 de maio e para retornar a sua sala principal, a Richelieu, no Natal deste ano.
Wilson conta que desde os anos
1970 queria criar um trabalho ligado à história francesa. Mas, lhe
perguntaram quando conversava
com um grupo de jornalistas, "ele
já conhecia "Les Fables"?". "Não
tão bem quanto os franceses",
respondeu, admitindo o óbvio.
Sua primeira tarefa foi escolher
algumas entre as 245 fábulas, totalizando 12 volumes, que foram
publicadas em três coleções em
1668, 1678-79 e 1694. Tendo decidido usar só aquelas que envolviam animais, sua dramaturga,
Ellen Hammer, redigiu uma lista
de "finalistas". "Em alguns casos,
três ou quatro eram oferecidas, e
escolhi as que se complementavam", contou Wilson. No final, 19
fábulas foram representadas.
Ao mesmo tempo, 15 atores foram escolhidos entre os 60 membros da Comédie Française que fizeram testes para os papéis. Esses
atores foram convocados a abrir
mão do estilo oratório clássico
que costumam adotar quando representam Molière ou Racine.
O espetáculo começa com "O
Leão Apaixonado" avisando sobre os perigos do amor cego: o
leão permite que suas garras e
seus dentes sejam cortados, e é
imediatamente morto por cães. A
moral da história, para La Fontaine, é que os inimigos menores podem ser os mais perigosos.
Ao lado de "O Corvo e a Raposa", na qual a astuta raposa convence o corvo a deixar cair pedaços de queijo no chão, a peça inclui muitas das fábulas mais conhecidas. "O Carvalho e o Junco",
na qual o junco se dobra na tempestade, enquanto o poderoso
carvalho racha; "A Cigarra e a
Formiga", que aconselha o público a não passar o verão cantando,
mas a preparar-se para o inverno.
Qual é a fábula favorita de Wilson? "Geralmente gosto da cena à
qual estou assistindo", responde,
sorrindo. "Se o coelho está em cena, gosto mais do coelho."
Tradução de Clara Allain
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