São Paulo, quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Vanguarda no museu

Americano Bob Wilson, figura de importância maior no teatro, encena as tradicionais fábulas de La Fontaine

DO "NEW YORK TIMES", EM PARIS

O fabulista do século 17 Jean de La Fontaine pode ter derivado as tramas de muitas de suas alegorias animais de Esopo e dos contadores de histórias persas da antiguidade, mas as "Fábulas" resultantes não poderiam ser mais francesas. Elas ganharam popularidade enorme enquanto La Fontaine estava vivo, sendo vistas como comentários sobre a natureza humana e até hoje quase não existe francês que não seja capaz de narrar várias dessas histórias.
Agora, pela primeira vez, um diretor natural do Texas e cujo domínio do francês é apenas rudimentar está encenando uma seleção das fábulas na Comédie Française, o santuário do classicismo literário francês. No entanto, para os círculos culturais franceses, Robert Wilson não é um americano comum. Foi na França que ele fez seu nome como diretor de vanguarda, três décadas atrás, e é na França, mais do que nos EUA, que ele tem o status de figura de importância maior no teatro.
Consequentemente, muitos dos intelectuais franceses que compareceram à estréia da peça, no último 30 de janeiro, foram atraídos tanto pela curiosidade em ver a interpretação que Wilson faria de La Fontaine quanto por suas memórias de "O Corvo e a Raposa", por exemplo. Quando a cortina se fechou, 105 minutos mais tarde, eles pareciam estar em grande medida satisfeitos, tanto que Wilson e equipe foram ovacionados.
A abordagem que Wilson escolheu para transformar poemas num espetáculo visual foi a de criar um quadro vivo. A decoração geométrica e a iluminação multicolorida criaram um pano de fundo de beleza austera para os atores, que usavam máscaras imaginativas e figurinos maravilhosos. Fugindo da tendência habitual de Wilson de fazer os atores se moverem de modo altamente estilizado, eles têm a liberdade de correr, saltar, guinchar e trovejar.
Mesmo assim, a Comédie Française se arriscou bastante. Muito antes da estréia, ela já programou "Fables de la Fontaine" para ficar em cartaz até 15 de maio e para retornar a sua sala principal, a Richelieu, no Natal deste ano.
Wilson conta que desde os anos 1970 queria criar um trabalho ligado à história francesa. Mas, lhe perguntaram quando conversava com um grupo de jornalistas, "ele já conhecia "Les Fables"?". "Não tão bem quanto os franceses", respondeu, admitindo o óbvio.
Sua primeira tarefa foi escolher algumas entre as 245 fábulas, totalizando 12 volumes, que foram publicadas em três coleções em 1668, 1678-79 e 1694. Tendo decidido usar só aquelas que envolviam animais, sua dramaturga, Ellen Hammer, redigiu uma lista de "finalistas". "Em alguns casos, três ou quatro eram oferecidas, e escolhi as que se complementavam", contou Wilson. No final, 19 fábulas foram representadas.
Ao mesmo tempo, 15 atores foram escolhidos entre os 60 membros da Comédie Française que fizeram testes para os papéis. Esses atores foram convocados a abrir mão do estilo oratório clássico que costumam adotar quando representam Molière ou Racine.
O espetáculo começa com "O Leão Apaixonado" avisando sobre os perigos do amor cego: o leão permite que suas garras e seus dentes sejam cortados, e é imediatamente morto por cães. A moral da história, para La Fontaine, é que os inimigos menores podem ser os mais perigosos.
Ao lado de "O Corvo e a Raposa", na qual a astuta raposa convence o corvo a deixar cair pedaços de queijo no chão, a peça inclui muitas das fábulas mais conhecidas. "O Carvalho e o Junco", na qual o junco se dobra na tempestade, enquanto o poderoso carvalho racha; "A Cigarra e a Formiga", que aconselha o público a não passar o verão cantando, mas a preparar-se para o inverno.
Qual é a fábula favorita de Wilson? "Geralmente gosto da cena à qual estou assistindo", responde, sorrindo. "Se o coelho está em cena, gosto mais do coelho."


Tradução de Clara Allain


Texto Anterior: Contardo Calligaris: "Peixe Grande" e a paixão pela vida
Próximo Texto: "Estamos a serviço de uma visão global"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.