São Paulo, terça-feira, 26 de março de 2002

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Em clima de guerra, empresas cogitam união para não enfraquecer lobby no Congresso

Globo tenta se unir a "rivais"


Emissora faz manobra para tentar trazer Band, Record e SBT de volta à associação das redes de TV


LAURA MATTOS
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA

Está marcado para hoje o anúncio oficial da criação da União Brasileira de Emissoras de Televisão, reunindo Bandeirantes, Record e SBT. Mas, mesmo antes de ser oficializada, a nova entidade já alcançou seu principal objetivo: mostrar à Globo que a "guerra" com as concorrentes pode enfraquecê-la politicamente.
As três redes romperam oficialmente com a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV) no dia 26 de fevereiro. O racha oficial (na prática o rompimento é bem mais antigo) se deu por meio de anúncio publicado em jornais.
Em clima de guerra declarada, executivos das TVs dissidentes passaram a acusar a associação de defender só os interesses da Globo. E, como se não bastasse esse tiroteio, houve, depois do rompimento, o anúncio de que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento) faria um aporte de capital à Globo Cabo, empresa das Organizações Globo. Era o que faltava para reforçar os desentendimentos entre as redes.
A gota d'água para a saída oficial das três emissoras da Abert, segundo a Folha apurou, tem a ver com a votação da emenda constitucional que libera a entrada de capital estrangeiro em jornal, rádio e televisão. O projeto, que também possibilita a abertura dessas empresas ao investidor nacional, é visto como a solução para a crise financeira do setor.
O problema entre as emissoras se agravou quando o projeto estava em votação na Câmara dos Deputados (ele agora está no Senado e deve receber relatório favorável hoje na Comissão de Constituição e Justiça). O PT, que se mostrava contrário à idéia, aceitou votar a favor da emenda, "impondo" como condição a implementação do Conselho de Comunicação Social. A criação do órgão, que fiscalizaria as empresas de mídia, está prevista desde a Constituição de 88, mas esbarra no lobby das TVs e ainda não saiu do papel.
Sua formação é de responsabilidade do Congresso e os membros podem ser indicados por entidades representativas, como a Abert, por exemplo. E foi isso que complicou a convivência entre a Globo e o bloco das três.
Ninguém confirma oficialmente, mas o fato é que Band, Record e SBT acreditam que Evandro Guimarães, vice-presidente da Globo que ocupava a vice-presidência da Abert, teria sugerido a políticos o seu próprio nome para integrar o conselho de comunicação. Estaria, na avaliação das três, usando a Abert para dar mais força à Globo. Guimarães nega essa versão: "Eu jamais solicitei nenhum tipo de vaga para a Globo".
Mas foi a partir dessa suspeita que as concorrentes decidiram deixar claro para os políticos que a associação não mais as representava. Para isso, articularam a criação da nova entidade, já apelidada nos bastidores de Abert do B. Apesar dos holofotes que chamaram para essa associação, Band, Record e SBT não avaliam o rompimento como algo positivo. Sabem, assim como a Globo, que o lobby da televisão perderá força.
Às vésperas da votação da emenda do capital estrangeiro, não têm dúvida de que escolheram o pior momento para levar a discórdia para a frente das câmeras. A Globo, mesmo sabendo que tem influência no Congresso, preocupa-se com a criação da nova entidade e o consequente enfraquecimento da Abert.
A associação é relevante principalmente porque ainda congrega entidades regionais por todo o país que representam, principalmente, as emissoras de rádio.
A Globo avalia que essa base é importante para se ter ainda mais respaldo no Legislativo, já que as FMs e AMs das pequenas cidades do país são instrumentos essenciais de apoio a deputados e senadores. Há cerca de dez dias, João Roberto Marinho, vice-presidente das Organizações Globo, teve uma conversa com Silvio Santos. Foi uma tentativa de reverter o rompimento.
A emissora deu também, na avaliação do mercado, uma pública demonstração de que está disposta a "fazer as pazes" com as dissidentes. Na última terça, véspera da audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado sobre a emenda do capital estrangeiro, a Globo anunciou que Evandro Guimarães deixaria a vice-presidência da Abert. Ele, que havia sido convidado pelo senador Osmar Dias (que está presidindo a CCJ) para a mesa da audiência, foi substituído na última hora por Paulo Machado de Carvalho Neto, presidente da associação.
A Globo aceitava pagar o preço de não ter alguém na audiência para defendê-la de duras críticas feitas por políticos e membros da mesa. Guimarães assistiu ao debate da platéia, assim como Roberto Franco, vice-presidente da Record e um dos líderes da Abert do B. Era um indício de que a Globo queria se colocar, pelo menos institucionalmente, em situação de igualdade.
Foi um gesto que agradou as concorrentes. Foi também a chave de abertura para a discussão a que todos queriam chegar: será que não vale a pena voltar à Abert, ainda mais deixando a impressão de que houve recuo da Globo? Ninguém sustenta a tese oficialmente, mas a partir da saída de Guimarães, o tom das declarações tornou-se mais ameno: "É claro que a desunião é péssima. Com certeza, o ideal seria que estivéssemos juntos, principalmente agora", diz Antonio Teles, vice-presidente da Band e o principal porta-voz das críticas das três à Globo.
"A união seria muito importante para o setor. O rompimento não é bom para nenhum dos lados. Estamos abertos, como sempre estivemos, a receber em nossa diretoria membros da Record, da Bandeirantes e do SBT", afirma Paulo Machado de Carvalho Neto, presidente da Abert.
A reconciliação pode ocorrer, acreditam envolvidos na disputa. Mas, no ponto em que chegou o desentendimento, a negociação teria de ser diretamente entre os proprietários das TVs. A avaliação é que a votação da emenda do capital estrangeiro reforça essa possibilidade. E quem defende a reconciliação anda fazendo piada: "Como diria minha vó, antes mal acompanhado do que só".



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