São Paulo, sexta-feira, 26 de março de 2004

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13º FESTIVAL DE CURITIBA

Fransérgio Araújo pré-estréia no Fringe drama de Plínio Marcos sobre garoto imerso na marginalidade

"Querô" é parto de ator do Oficina na direção

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Lucas Braguirolli (ao centro) em cena de "Querô", espetáculo que marca a estréia do ator Fransérgio Araújo na direção teatral


VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

A mãe, uma prostituta, faz do querosene o veneno eleito. Toma-o em gesto de desespero. Na hora da morte, dá à luz um bebê. Ele é criado pela cafetina do bordel. Vai ser um menino da vida, das ruas sem saídas de "Querô - Uma Reportagem Maldita".
O texto do santista Plínio Marcos (1935-99) ganha montagem que pré-estréia no Fringe de Curitiba e entra em cartaz em São Paulo em maio, no Teatro de Arena. A direção é de Fransérgio Araújo, ator do Oficina Uzyna Uzona, o grupo do encenador José Celso Martinez Corrêa.
Trata-se do "parto" de Araújo na direção, ele que integra o Oficina há oito anos e atua na transposição de "Os Sertões", de Euclydes da Cunha (1866-1909), para o teatro. "Querô" nasceu primeiro como romance de Plínio, nos anos 60. Depois, em 1976, o autor o converteu em peça. A trajetória do protagonista é contada em planos do presente, do passado e da alucinação, estrutura que lembra a de "Vestido de Noiva" (1943), clássico de Nelson Rodrigues (1912-1980).
Abre com Querô (Clayton Marques), uns 14 anos, em confronto com dois policiais que tentam lhe corromper. Ele atira. Mata. É ferido. Ainda agoniza no local do crime, arredores do porto de Santos, quando é abordado por um repórter (Cristiano Carvalho), a quem relata os descaminhos que o levaram à marginalidade.
Cenas em flashback dão conta da realidade "nua e crua" com a qual o garoto lida desde o berço, no bordel da cafetina Violeta (Alessandra Reis), adotado pela prostituta Ju (Silvia Lira).
Plínio abstrai existencialismos, psicologismos. Vai direto ao ponto. "Querô representa todas as crianças e adolescentes dos faróis, que são a raiz da transformação da sociedade", diz Araújo, 30. Um cruel paradoxo.
Apesar do beco em que está metido, a montagem concebe o personagem como um herói. Tal herói das histórias em quadrinhos, que sai do "mocó" para estampar o "gibi", o jornal.
O garoto não sobrevive, mas deixa o lastro de quem lutou contra a opressão e os valores capitalistas da sociedade que o descarta.

Santa Catarina
Um dos destaques da edição de 2003, com "F" (cia. Persona), o diretor catarinense Jefferson Bittencourt volta com duas peças: "E Fosse Minha Carne..." (grupo Dramaturgia) e "O Coração Delator" (Trilogia Lugosi).
Na primeira, texto de André Silveira, um homem "triste e cínico" discorre sobre suas obsessões com a morte, desde a infância, e a convivência com os fantasmas da mãe e da mulher.
Adaptação de Bittencourt para o conto homônimo do americano Edgar Allan Poe (1809-49), "O Coração Delator" traz o depoimento de um homem sobre a "arte" de um crime hediondo que cometeu. Ao final, uma revelação sela o tom fantástico.
Em comum, as duas montagens imprimem uma linguagem gótica, a expressar "o horror que por vezes se esconde por trás da visão do belo", como diz Bittencourt. Para ele, a opção estética proporciona uma reflexão sobre "o lado escuro" do ser humano.

13º FESTIVAL DE TEATRO DE CURITIBA. Até 28/3. Mais informações pelo tel. 0/xx/41/323-4600. Site: www.festivaldeteatro.com.br. Patrocinadores: Itaú, Petrobras, Tim e Prefeitura de Curitiba.

A fotógrafa Lenise Pinheiro, o crítico Sergio Salvia Coelho e o repórter Valmir Santos viajaram a convite da organização do FTC



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