São Paulo, sábado, 26 de março de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

POLICIAL

Terceiro livro do personagem criado pelo músico dos Titãs é lançado

"Bellini e os Espíritos" testa o fígado do detetive de Bellotto

JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA

E Remo Bellini chega ao seu terceiro caso. Se em "Bellini e os Espíritos" a longevidade da carreira do combalido investigador paulistano criado por Tony Bellotto não demonstra exatamente sinais de esgotamento, é impossível afirmar o mesmo de seu fígado. Afinal, em 266 páginas ele esvazia garrafas de saquê, uísques, champanhes, cervejas e outros venenos, com uma sede mais à altura do Saara do que do clima úmido das imediações do Parque Trianon, quartel-general do detetive bebum ouvinte de blues.
O excesso alcoólico parece ser mesmo o maior problema para o assistente de Dora Lobo, sexagenária adepta de dieta líquida semelhante ao de seu contratado. Bellini perde a linha diversas vezes neste novo livro, indo ao banheiro aliviar-se tantas vezes quanto vai ao bar. Mas o problema não morre aí, pois a bebida faz com que Bellini seja relapso nas investigações, perdendo-se em engraçadas divagações sobre a natureza do sexo, das mulheres e da calvície a se alastrar no cocuruto, além de citar letras de blues e usá-las como oráculos para elucidar os enigmas em torno de seu umbigo de solteirão. Ao contrário de outros notórios apreciadores de combustíveis para a lógica policial (entre eles o Nero Wolfe, de Rex Stout, e o inspetor Maigret, de Simenon), Bellini segue a pista errada, deixando-se levar pelo sexto sentido e por toda sorte de mulheres que vão surgindo ao longo da história: casadas, menores de idade e peruas da terceira idade. O apetite sexual do detetive é tão vasto e variado quanto sua sede, apesar das constantes frustrações. E pelos passos largos que usa para seguir calçando a jaca, não é difícil deduzir que o pobre Bellini atravessa a crise dos 40 anos. Como investigadores em crise conseguem investigar com proficiência apenas seus próprios casos, temos aqui um crime insolúvel.
Após a estranha morte do advogado Arlindo Galvet em plena corrida de São Silvestre, Bellini e Dora Lobo recebem um envelope anônimo com US$ 5.000 e a sugestão de que o jurista atleta havia sido assassinado, apesar da falta de evidências. Os investigadores saem a campo e, em meio às pistas e às digressões hedonistas de Bellini, surge a cidade de São Paulo e sua diversidade étnica como cenário. A linguagem de Bellotto, sempre em chave chandleriana, alterna o coloquialismo dos diálogos e da condução da narrativa com frases de impacto. Nada convincente, porém, são os mimos excessivos com que o autor trata seu personagem, com mulheres a dar com pau, presentinhos, contas pagas em restaurantes e total ausência de porradas, mas Bellini & Bellotto salvam-se ao soar do gongo. A epígrafe de Chandler ideal para este livro seria: "Um detetive de verdade nunca se casa".


Joca Reiners Terron é autor de "Hotel Hell" (ed. Livros do Mal) e "Curva de Rio Sujo" (ed. Planeta), entre outros livros

Bellini e os Espíritos
  
Autor: Tony Bellotto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 35,50 (264 págs.)


Texto Anterior: Administração: Como mover o Monte Fuji?
Próximo Texto: Contos/"Questionário": Cadão Volpato traz forma atual para universo literário
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.