São Paulo, sábado, 26 de março de 2005

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LITERATURA

Autor de "O Zahir" diz que só "une visível e invisível" por ser brasileiro

"Graças a Deus eu nasci no Brasil", diz Paulo Coelho

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Depois do sexo, a pergunta. Se o ponto de partida para o romance anterior de Paulo Coelho, 57, "Onze Minutos", foi a pulsão erótica, agora, em "O Zahir", o autor toma como base uma indagação que ele resume assim: "Por que vivemos uma história que nos foi imposta, inventada por outros?".
Para isso, ele cria um enredo mirabolante, com fortes traços autobiográficos, misturando a história de um autor de sucesso internacional cuja mulher desaparece em Paris com teorias místicas diversas, em especial teorias das estepes do Cazaquistão.
No cenário parisiense, membros de uma seita cazaque: o que há de brasileiro, afinal, nesta história? Ele diz que o elemento nacional está na união de mundos aparentemente estanques: o visível e o invisível. Ao abolir o muro que separa essas realidades, o autor promove algo que qualquer brasileiro saberia desde pequeno: há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia.
"Não poderia escrever sobre o que escrevo se fosse francês, alemão ou americano. Sou um produto das minhas circunstâncias, as quais foram, graças a Deus, ter nascido no Brasil."
E a fórmula mágica parece ter dado muito certo, como atestam as capas de todas as importantes revistas brasileiras, destacando números surpreendentes: ele já vendeu 65 milhões de livros, em 56 idiomas de 150 países. Coelho falou por telefone à Folha de seu refúgio nos Pireneus, na França. Leia a seguir trechos da entrevista.
 

Folha - Você concorda que "O Zahir" trata da obsessão?
Paulo Coelho -
Acho que a obsessão está presente no comportamento humano de uma maneira geral. Ulisses é obcecado por chegar a Ítaca, Dante por encontrar Beatriz. Trata-se, porém, da manifestação enferma da lenda pessoal de cada um.

Folha - Como separa joio e trigo na busca por idéias para escrever?
Coelho -
Exerço a disciplina rígida de não ter mais do que uma idéia a cada dois anos. As outras são descartadas. Quando sento para escrever, começo por falsos livros. Em um dado momento, percebo o verdadeiro chegando.

Folha - Como sabe?
Coelho -
Pela primeira frase.

Folha - Quanto tempo você leva para escrever um livro?
Coelho -
Normalmente duas semanas. Foi o produto de dois anos de uma maturação inconsciente. Já viu um mecânico, que abre o capô do carro e fica observando longamente, o olhar vazio? Quando ele enfim mexe no motor, pumba, vai direto ao ponto. O trabalho do escritor está ligado a essa sintonia entre ele e o objeto do seu trabalho.

Folha - O livro pode fugir à concepção inicial?
Coelho -
Muito. O consciente empurra para um lado, mas o subconsciente empurra para o outro. Na batalha, é preciso deixar-se guiar pelo subconsciente. Há ali uma parte que você desconhece e que passa por caminhos completamente inesperados.

Folha - Não faz um planejamento da história?
Coelho -
Não. Está doido? Se já soubesse tudo que ia acontecer não teria o menor entusiasmo.

Folha - Em seus livros, o senhor procura unir o plano da ficção com um plano místico. Neste caso, há o relato do esoterismo cazaque.
Coelho -
Para mim, a realidade visível e a invisível não estão muito separadas. Procuro viver as duas intensamente. É a grande herança do Brasil. O brasileiro tem muita facilidade de navegar por esses mundos sem se propor problemas muito cartesianos, como vemos na Europa.

Folha - Qual é sua rotina quando está escrevendo um livro?
Coelho -
Para mim, a criação do livro deve vir de um jato só. Após um período de adiamentos, fico absolutamente possuído, perco a fome e não tenho nenhum outro interesse senão o de escrever o livro. Nesse momento diria que estou justificando minha vida.

Folha - O Brasil está no caminho certo?
Coelho -
Se, em última análise, sua pergunta é "o Lula está fazendo um bom governo", acho que sim. Não vamos resolver nossos problemas num dia. Estamos numa corda bamba. Temos boas soluções para problemas bastante duros. Acho que o processo começa com Fernando Henrique, que deu passos bem importantes.

Folha - O senhor enxerga uma continuidade entre FHC e Lula?
Coelho -
Diria que o Brasil passa por duas visões ou duas abordagens não necessariamente iguais, mas que caminham, na minha opinião, na direção certa.


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