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"O CONDENADO"
Greene provoca e explora a consciência
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Graham Greene (1904-91) foi
um dos mais prolíficos e populares romancistas do século 20.
Conseguiu o raro êxito conjunto
de vender bem e obter respeito intelectual e ideológico de seus pares. Fazia proselitismo católico,
mas era crítico da Igreja de Roma
a ponto de ter sido formalmente
admoestado pelo Santo Ofício,
que condenou o livro "O Poder e a
Glória" (40) por ser "paradoxal".
O paradoxismo que assustou os
censores do Vaticano já estava em
"O Condenado" (Brighton Rock),
de 38, o primeiro trabalho de
Greene a alcançar sucesso de público e a tratar de maneira explícita das convicções religiosas do autor, que se convertera ao catolicismo 12 anos antes. A segunda edição brasileira de "O Condenado"
é lançada pela Globo, com excelente prefácio do crítico da Folha
Marcelo Pen e a mesma tradução
precisa de Leonel Vallandro da
primeira edição (87).
Em "O Condenado", aparecem
as duas características básicas que
renderam ao escritor inglês o
prestígio e a notoriedade de que
desfrutou: capacidade de desenrolar uma história simples, instigante e atraente e, ao mesmo tempo, poder de explorar os interiores mais profundos da consciência, dos sentimentos e da moralidade humana. Greene, como provavelmente ninguém mais, pareceu capaz de fazer conviver Dashiell Hammett e Marcel Proust
em seus escritos.
O enredo é despretensioso: Pinkie, um adolescente bandido com
aspirações a se tornar um líder
mafioso na cidade inglesa de
Brighton, resolve casar com a garçonete Rose como forma de comprar o silêncio dela sobre um homicídio que ele cometera; outra
pessoa que sabia do crime, Ida,
tenta perseguir Pinkie e salvar Rose da influência do assassino.
O texto flui com naturalidade,
elegância e inteligência. O leitor fica preso à narrativa do suspense,
em ritmo perfeito e com descrições atraentes de locais e personagens. Mas, ao contrário dos romances policiais clássicos, o livro
introduz questões metafísicas ao
lado dos fatos da história de Pinkie, Rose e Ida: a luta entre o bem
e o mal, a noção de pecado e castigo, o propósito da vida e da morte. Greene era uma espécie de
existencialista católico. Tratava da
importância da subjetividade, da
liberdade (ou falta de) que cada
indivíduo tem para escolher suas
alternativas e lidar com as consequências, mas dentro do quadro
rígido do dogmatismo católico.
Pinkie e Rose, por exemplo, são
dois católicos muito distintos entre si: ele parece só acreditar no
Diabo e no Inferno, enquanto ela
também crê em Deus e no Paraíso. Já Ida é materialista, preocupada mais com os conceitos humanos de justiça, amor, prazer.
Desse triângulo moral saem as
idéias que dão ao leitor a chance
de refletir sobre seus próprios dilemas e é isso que retira "O Condenado" tanto da categoria das
histórias de detetive quanto da de
ficção catequética.
O próprio Greene era duro na
avaliação de "O Condenado". Ele
o colocava na lista de seus livros
"de entretenimento". Mas talvez
estivesse sendo excessivamente
rigoroso com o próprio trabalho.
"O Condenado" é um exemplo
excelente do seu raríssimo talento
para conciliar estilo amigável para
as pessoas comuns com conteúdo
rico em conceitos complexos que
ajudam as pessoas a refletir sobre
o mundo e si mesmas.
Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
O Condenado
Autor: Graham Greene
Editora: Globo
Quanto: R$ 45 (338 págs)
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