SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Ela andava meio sumida. Alguns de seus volumes esgotaram, outros só se achavam nos sebos. Agora, está pronta e de capa nova para reocupar a lacuna deixada por sua ausência nas prateleiras de livrarias e bibliotecas.
Dirigida por ninguém menos que o historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-82) -e finalizada por Boris Fausto depois da morte deste- a "História Geral da Civilização Brasileira" ganha reedição pela Bertrand Brasil.
Empreitada coletiva de fôlego ímpar na nossa historiografia, a série de 11 livros aborda assuntos de naturezas variadas, com destaque para história política e economia, mas tratando também de questões sociais, religião, militares e, ainda, de medicina, teatro, cinema, música e outras manifestações culturais.
Praticamente duas gerações de historiadores se envolveram no projeto, que teve início em 1961, com a publicação de "Do Descobrimento à Expansão Territorial" -o primeiro título a ser relançado agora-, e se estendeu até 1985, com a publicação de "Economia e Cultura - 1930/1964".
A obra insere-se no contexto de preocupações amplas com os problemas do país que norteava a geração dos chamados "fundadores" da historiografia nacional, o próprio Sérgio Buarque, Caio Prado Jr. e Gilberto Freyre.
"A "História Geral da Civilização Brasileira" é a mais importante narrativa já escrita sobre o Brasil, no sentido da relevância dos autores reunidos e dos temas tão vastos de que tratou", diz o historiador Boris Fausto à Folha. Para o autor do clássico "A Revolução de 30", a "HGCB" (como é conhecida) é um documento sobre como os estudiosos pensavam o Brasil naquela época. Isso, de certa forma, faz também com que hoje a obra soe datada. "Há trabalhos melhores e outros menos bons. Uns estão superados; se fôssemos reescrevê-la, teríamos de incorporar novas pesquisas em quase todas as áreas, além de temas como a questão da mulher ou da segurança pública", diz.
Os sete primeiros volumes, que dão conta dos períodos colonial e monárquico, foram dirigidos por Sérgio Buarque; Fausto assumiu a coleção a partir do oitavo livro até o final, trecho que corresponde à República e vai até 1964.
A Bertrand quer dar continuidade à obra e planeja lançar um volume inédito, que abarcaria os nossos últimos 40 anos.
Na introdução à primeira edição, Sérgio Buarque conta que sua "liberalidade" como editor permitiu que o trabalho extrapolasse os limites de tamanho e de tempo da publicação. Explica ainda que teve de escrever de próprio punho vários capítulos porque os autores que originalmente os realizariam simplesmente deram o cano.
O volume sete, "Do Império à República", por exemplo, foi inteiramente feito por ele e tornou-se um dos destaques no conjunto de sua obra pessoal.
Para Elias Tomé Saliba, professor livre-docente do departamento de História da USP, a "HGCB" está integrada na obra de Sérgio Buarque. "Ele sempre teve o projeto de fazer uma história política do Império. Acabou concretizando isso dentro da coleção", diz.
O uso da palavra "civilização" foi polêmico. O próprio Sérgio Buarque apontava para a possibilidade de que o termo pudesse parecer "presunçoso". "Foi influência do ecumenismo dos Annales", explica Saliba, referindo-se à escola francesa que fundou, a partir de 1929, a chamada "nova história", de preocupações centradas no indivíduo, no cotidiano e nas mentalidades coletivas. "Era todo um pensamento que procurava se apresentar como uma espécie de "terceira via" ao bolchevismo e ao capitalismo presentes na construção do conhecimento", diz.
O termo inspirava-se também na célebre "História Geral das Civilizações", de Maurice Crouzet, lançada aqui pela Difusão Européia do Livro, a mesma que apostou, nos anos 60, nesta "versão brasileira" do projeto.
Neste primeiro volume a vir à tona participaram Aziz Ab" Saber, Florestan Fernandes e o próprio Sérgio Buarque. O segundo sairá em junho; a partir daí, os lançamentos se darão de mês em mês.