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Crítica
Clássico de Melville virou um "Ulisses" americano
IVO BARROSO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Este livro, hoje considerado dos dez maiores
romances da literatura
mundial, esteve longe das badalações da crítica ao ser lançado em 1851. O autor, Herman
Melville, publicara antes cinco
novelas que lhe acenaram com
certa notoriedade, embora o
rotulassem como "narrador de
aventuras de embarcadiço", sobre aspectos da vida nativa dos
mares do Sul. A publicação de
"Moby Dick", no entanto, iria
coincidir com um período de
expansão da literatura americana e, inserindo-se nela, Melville elaborou um projeto que
pretendia não a simples narrativa aventurosa de uma caça de
baleias, mas algo capaz de guindá-lo à posição de "Shakespeare do romance americano".
O livro, tratado numa linguagem multivalente e não raro
poética, abrangeria questões
religiosas, políticas, comportamentais, étnicas etc., debatendo-se num "maelström" com as
grandes forças antagônicas do
Bem e do Mal. A crítica oficial,
de ambos os lados do Atlântico,
não se comoveu com a narrativa, e Melville amargou uma
quarentena que o levou a desistir da literatura.
Espírito de pioneirismo
O "revival" ocorreu quando a
obra começou a ser identificada com o espírito de pioneirismo dos americanos e as qualidades de seu estilo assemelhadas às técnicas do romance moderno, por sua ambição de conciliar elementos díspares, mesclar gêneros híbridos, apelar
para conhecimentos enciclopédicos marginais, utilizar vários
registros de linguagem de acordo com a formação cultural de
seus personagens.
Hoje, a crítica americana rotula "Moby Dick" como "o
grande clássico" e "nosso maior
romance", estudado nas escolas e universidades ao lado das
mais importantes obras literárias produzidas na América.
Tornou-se além disso um prato
feito para os novos admiradores da corrente psicanalítica,
que passaram a lhe atribuir
complexos, recalques e traumas, esmiuçados em dezenas e
dezenas de livros que hoje engrossam seu miliardário baú bibliográfico. A literatura norte-americana precisava de um
"Ulisses". E foi a chance.
Mas como reage o leitor de
hoje diante de um "must" que
está na obrigação de ler? Certamente afeito ao espírito de concisão de nossos dias, achará
grande parte do livro enfadonha e pulará sem remorso algumas páginas de prolixa embromação. Mas logo se recuperará
com a chegada de Ahab, em que
identificará o papel do mocinho da novela.
Termos náuticos
Impossível não se render ao
estilo de Melville com seu vocabulário detalhista de termos
náuticos e as empolgantes descrições das noites e tempestades marinhas. O famoso sermão do padre Mapple, sobre a
história de Jonas, será, em sua
memória recente, contraponteado pelo "It ain't necessarily
so", na voz de Sportin" Life. Os
minuciosos capítulos sobre a
vida, acasalamento e procriação das baleias lhe darão algo
que pensar. Acostumado a ver
"de perto" esses animais, no
Animal Planet e no National
Geographic, dificilmente acreditará no monstro encarnado
na figura da baleia branca.
A imagem do vingativo Ahab
será turbada pela lembrança do
Greenpeace mostrando os canhões-arpoadores dos baleeiros modernos e corpos de baleias e filhotes sendo escarnados no convés de pesqueiros japoneses. Mas alguns anos depois, ele voltará a ler a história
completa, guardando a distância necessária.
Ilustrações e realismo
Já o leitor veterano, que (sem
ser Ahab) "se amarra" na baleia
branca e já passou pelas traduções anteriores (Monteiro Lobato, Berenice Xavier e Péricles
Eugênio da Silva Ramos), este
irá encontrar na atual edição da
Cosac Naify a "viagem" com
que sempre sonhou. Desde a
capa (dura) em que uma onda
varre na areia os nomes de
Moby Dick e de Melville, seguindo-se ilustrações de época
que lhe dão o realismo do "décor", até a paginação que imita
o ajoujo das ondas -tudo nela
foi cuidado com um intuito de
superação.
Um glossário ilustrado de
termos náuticos, ampla bibliografia (inclusive em português)
e os três artigos críticos fundamentais (Evert Duyckinck, D.
H. Lawrence e F. O. Mathiessen) completam a edição. Os
tradutores procuraram dar ao
texto descritivo a fluência e
propriedade que se esperam de
uma grande tradução. Infelizmente o mesmo resultado não
se vê nas falas, em que a tentativa de imitar certas deformações orais quase sempre resulta
incongruente.
IVO BARROSO é poeta, crítico e tradutor.
MOBY DICK
Autor: Herman Melville
Tradução: Irene Hirsch e Alexandre
Barbosa de Souza
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 99 (656 págs.)
Avaliação: bom
NA INTERNET
www.folha.com.br/folha/ilustrada
leia trecho do livro
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