São Paulo, sábado, 26 de abril de 2008

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Crítica/"Jonas, O Copromanta"

Patricia Melo erra ao seguir escatologia de Rubem Fonseca

Novela acrescenta esoterismo e fantasia conspiratória à receita do mestre do policial

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Patrícia Melo ficou conhecida ao explorar o veio policial da literatura de Rubem Fonseca. Em sua nova novela, "Jonas, o Copromanta", demonstra sua irrestrita fidelidade ao escritor ao segui-lo também em sua fase escatológica.
Mas se o próprio mestre não se saiu muito bem em suas narrativas -que se esforçam inutilmente para: 1) ser chocantes, quando sabidamente mais chocante que qualquer uma delas é o noticiário dos telejornais ou os cadernos de desenho dos alunos de ciclo básico, na periferia das grandes cidades; 2) encontrar algum hálito de vida menos ralo no cerne do bizarro e do escandaloso, que é o mesmo que esperar a excitação na evidência da impotência-, seria preciso um verdadeiro milagre para que a discípula vencesse onde ele foi batido. Milagres, contudo, são raros. Não admira que não tenham interferido no equívoco cabal em que resultou o livro, do início ao fim.
Para ser mais claro, quem faz as vezes de início é o conto "Copromancia", de "Secreções, Excreções e Desatinos", do próprio Rubem Fonseca, cujo narrador-protagonista pretende adivinhar o futuro ao observar a forma das próprias fezes. Patrícia Melo tem a malfadada idéia de tomá-lo para si e desenvolvê-lo além da brevidade mais do que suficiente em que o deixou seu autor.

Raciocínios pseudológicos
Assim, ela provê o caso de explicações esotéricas (que até referem hebraico e copta, mas que não vão além do português informal), as quais Rubem Fonseca espertamente deixara de fora da sua narrativa. Dado o bizarro de base da idéia de escarafunchar o destino nas fezes, tentar justificá-la com raciocínios pseudológicos só transforma o inverossímil em tedioso.
Já o fim se dá pelo engano de supor que, balançando entre esquemas banais de thriller psicológico, "plot" policialesco, enredo fantástico e comédia de costume, segurando-se pela rama de todos eles, e submetendo-os a um tratamento narrativo em primeira pessoa, tudo aquilo que ficou mal-ajambrado na narrativa acabe justificado por conta de sua reinterpretação final como delírio paranóico e fantasia conspiratória.
Para deixar claro ao leitor mais, digamos, realista, que há essa saída, Patrícia Melo trata de duplicar os indícios da paranóia de seu narrador, que, além de imaginar ser o protagonista original de "Copromancia", também supõe ter inventado o argumento de "Mandrake - A Bíblia e a Bengala", outro livro de Fonseca. Aí, já não temos meio de deixar de entender que o livro todo deve ser metido no saco da fantasia persecutória e do distúrbio obsessivo.

Confusão de fã
Vocês sabem: aquele tipo de história na qual o fã simpático se revela um obcecado irremediável, troca as bolas da inteligência do autor com a sua própria mediocridade, as do glamour suposto da vida do ídolo com a breguice anódina da sua, embaralha Leblon com Catumbi e termina se vendo a si mesmo, cheio de talento anônimo, sendo injustamente lesado pelo autor que, no fundo, lhe deve a vida que não teve.
Se bem que Jonas aparente ser um tipo pacífico, Mark Chapman nos poupe das citações de enredos similares, pois eles são tantos que mais valem como inventário de tópica ou lugar comum do que como exemplo ou história singular. Resta a esperança de que, após o exercício de catarse, Patrícia Melo libere Rubem Fonseca para os seus próprios livros.


ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária da Unicamp e autor de "Máquina de Gêneros" (Edusp)

JONAS, O COPROMANTA
Autora: Patricia Melo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36,50 (176 págs.)
Avaliação: ruim
Lançamento: segunda (28/4), às 19h, na Livraria da Vila dos Jardins (al. Lorena, 1.731, tel. 0/xx/11 3062-1063).

NA INTERNET
www.folha.com.br/0000081162

leia trecho do livro


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