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Crítica/"Jonas, O Copromanta"
Patricia Melo erra ao seguir escatologia de Rubem Fonseca
Novela acrescenta esoterismo e fantasia conspiratória à receita do mestre do policial
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Patrícia Melo ficou conhecida ao explorar o
veio policial da literatura de Rubem Fonseca. Em sua
nova novela, "Jonas, o Copromanta", demonstra sua irrestrita fidelidade ao escritor ao
segui-lo também em sua fase
escatológica.
Mas se o próprio mestre não
se saiu muito bem em suas narrativas -que se esforçam inutilmente para: 1) ser chocantes,
quando sabidamente mais chocante que qualquer uma delas é
o noticiário dos telejornais ou
os cadernos de desenho dos
alunos de ciclo básico, na periferia das grandes cidades; 2)
encontrar algum hálito de vida
menos ralo no cerne do bizarro
e do escandaloso, que é o mesmo que esperar a excitação na
evidência da impotência-, seria preciso um verdadeiro milagre para que a discípula vencesse onde ele foi batido. Milagres,
contudo, são raros. Não admira
que não tenham interferido no
equívoco cabal em que resultou
o livro, do início ao fim.
Para ser mais claro, quem faz
as vezes de início é o conto "Copromancia", de "Secreções, Excreções e Desatinos", do próprio Rubem Fonseca, cujo narrador-protagonista pretende
adivinhar o futuro ao observar
a forma das próprias fezes. Patrícia Melo tem a malfadada
idéia de tomá-lo para si e desenvolvê-lo além da brevidade
mais do que suficiente em que o
deixou seu autor.
Raciocínios pseudológicos
Assim, ela provê o caso de explicações esotéricas (que até
referem hebraico e copta, mas
que não vão além do português
informal), as quais Rubem
Fonseca espertamente deixara
de fora da sua narrativa. Dado o
bizarro de base da idéia de escarafunchar o destino nas fezes,
tentar justificá-la com raciocínios pseudológicos só transforma o inverossímil em tedioso.
Já o fim se dá pelo engano de
supor que, balançando entre
esquemas banais de thriller
psicológico, "plot" policialesco,
enredo fantástico e comédia de
costume, segurando-se pela rama de todos eles, e submetendo-os a um tratamento narrativo em primeira pessoa, tudo
aquilo que ficou mal-ajambrado na narrativa acabe justificado por conta de sua reinterpretação final como delírio paranóico e fantasia conspiratória.
Para deixar claro ao leitor
mais, digamos, realista, que há
essa saída, Patrícia Melo trata
de duplicar os indícios da paranóia de seu narrador, que, além
de imaginar ser o protagonista
original de "Copromancia",
também supõe ter inventado o
argumento de "Mandrake - A
Bíblia e a Bengala", outro livro
de Fonseca. Aí, já não temos
meio de deixar de entender que
o livro todo deve ser metido no
saco da fantasia persecutória e
do distúrbio obsessivo.
Confusão de fã
Vocês sabem: aquele tipo de
história na qual o fã simpático
se revela um obcecado irremediável, troca as bolas da inteligência do autor com a sua própria mediocridade, as do glamour suposto da vida do ídolo
com a breguice anódina da sua,
embaralha Leblon com Catumbi e termina se vendo a si mesmo, cheio de talento anônimo,
sendo injustamente lesado pelo autor que, no fundo, lhe deve
a vida que não teve.
Se bem que Jonas aparente
ser um tipo pacífico, Mark
Chapman nos poupe das citações de enredos similares, pois
eles são tantos que mais valem
como inventário de tópica ou
lugar comum do que como
exemplo ou história singular.
Resta a esperança de que, após
o exercício de catarse, Patrícia
Melo libere Rubem Fonseca
para os seus próprios livros.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária da
Unicamp e autor de "Máquina de Gêneros"
(Edusp)
JONAS, O COPROMANTA
Autora: Patricia Melo
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 36,50 (176 págs.)
Avaliação: ruim
Lançamento: segunda (28/4), às 19h,
na Livraria da Vila dos Jardins (al. Lorena, 1.731, tel. 0/xx/11 3062-1063).
NA INTERNET
www.folha.com.br/0000081162
leia trecho do livro
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