São Paulo, sábado, 26 de abril de 2008

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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE

"Inimigo Rumor": revista do barulho


A idéia de discutir poesia sem o peso institucional da academia ou partidarização estética amadureceu sem se desfigurar

LADO A lado na estante, as magras cem páginas do primeiro número da "Inimigo Rumor" -revista de poesia contemporânea concebida, há dez anos, por um editor carioca (Jorge Viveiros de Castro, da 7Letras) e dois poetas (Carlito Azevedo e Júlio Castañon Guimarães)- e o alentado volume comemorativo recém-lançado, o vigésimo, parecem não se conhecer.
Ao longo de sua primeira década, o projeto gráfico se sofisticou, o conselho editorial encorpou e sofreu variações (tendo, hoje, à frente, além de Carlito Azevedo, Augusto Massi e Marcos Siscar, entre outros) e novas editoras associaram-se à iniciativa (a portuguesa Cotovia, que já se foi, e a Cosac Naify). Mas, basta correr os olhos pelos índices do número de estréia e do mais recente para constatar que, em seus sete fôlegos, raros em publicações do gênero, a idéia original de uma revista que discutisse poesia sem o peso institucional da academia ou partidarização estética e sectarismo amadureceu sem se desfigurar.
Na variedade de gêneros dos textos que recolhe (poemas, mas também entrevistas, ensaios, traduções), no arco amplo dos autores apresentados, novíssimos (brasileiros, mas não apenas) recebendo espaço generoso, ao lado de clássicos, modernos ou não, de várias tradições, recuperados em perspectiva pouco trivial, "Inimigo Rumor" equilibra uma vocação por abrir frentes que não se reduz a inventário museológico ou ecletismo de bazar (ainda que o gosto de abrir a revista sem saber o que se vai encontrar lembre o da descoberta imprevista num mercado de pulgas) com a disposição firme de levar a sério o aspecto sedicioso da linguagem poética.
A polêmica não é, em absoluto, o graal da revista, mas uma decorrência natural, sempre à espreita, quando se justapõem concepções de crítica e de poesia tão diversas. A voz da portuguesa Adília Lopes, rente às epifanias do cotidiano e à multiplicação de máscaras, colide com a poesia de jogo e espanto com uma linguagem móvel, aquém do uso, em Ghérasim Luca. O legado das vanguardas, presente em poemas de Hans Arp ou na tradução da prosa elaboradíssima da "Crise do Verso", de Mallarmé, dialoga com a provocação contemporânea de Alfredo Prior, artista plástico e escritor argentino.
A partir deste território ampliado, textos como o de Leonardo Martinelli resenhando seis títulos de poesia recém-lançados (Régis Bonvicino, Josely Vianna Batista, Angélica Freitas, Marília Garcia, Ricardo Domeneck, Fabrício Corsaletti) ou o longo ensaio "Hagiografias", em que Flora Süssekind discute o persistente fundamento biográfico e cultual que entorna a recepção das obras de Cacaso, Leminski e Ana Cristina Cesar, ganham em densidade e ressonância e a poesia nova pode, quem sabe, encontrar leitores e críticos menos entorpecidos e silenciosos.


INIMIGO RUMOR: REVISTA DE POESIA Nº20
Editora: Cosac Naify/7Letras
Quanto: R$ 33
Avaliação: ótimo
Lançamento: terça, às 20h, no Bar Balcão (r. Melo Alves, 150, tel. 0/xx/11/3063-6091)



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