MARIA ERCILIA
COLUNISTA DA FOLHA

Cabelo grisalho, meio empastado e meio comprido; a franja tenta ostentar uma certa mocidade. Pinta de músico da noite, dando uns goles numa pinga, num copinho americano; a mão no bolso do paletó vinho, de veludo canelado. A calça é bege, o sapato branco, de fivelinha dourada. Lembra David Niven mais caído.
O dono da padaria contava uns trocos, e ele dizia:
"Um negócio, a aparelhagem pega a música! Hoje de manhã fui à casa do meu irmão, ele tem tudo, tá sempre arrumado, um equipamento potente. Agora ele tem uma ligação que fica ligada direto, e você só paga uma vez."
Ao fundo, um muzak da Scala FM. Meio-dia ensolarado, frio e lindo, numa esquina barulhenta de São Paulo.
"Mas esse negócio de música tá fazendo um estardalhaço. É gravadora, artista, ninguém sabe o que vai ser. Tem gente ouvindo música que nem nem foi lançada, e, se você quiser, grava num CD. E o que é melhor: é tudo legal. Eu pedi umas músicas do Burt Bacharach. Vieram umas cem!"
"Tinha uma com aquele Elvis Costello?", atalha um rapaz que estava pescando a conversa, entre uma mordida de misto e um gole de vitamina.
"Isso, esse mesmo! Eles andaram fazendo umas trilhas juntos."
"Olha, eu coleciono disco do Burt Bacharach há 20 anos e nunca tinha visto tanta música dele junta. "Jesus Crist Superstar" foi um puta musical. Aquilo tinha roteiro, o ator tinha que ser bom, cantar, dançar tudo."
"E o "Hair'", completa o rapaz (que me contou essa história e praticamente escreveu esse texto).
"Esse também! Um puta musical! Hoje em dia ninguém mais tem saco de fazer musical. Dá muito trabalho."
"Cem músicas!"
"Tecnologia é bacana, né? Alegra a vida do cidadão."
"E como! Porra! Cem músicas! Cê escolhe qualquer uma!"
"E você conhece o Lalo Schiffrin, que fazia as músicas dos filmes do Steve McQueen?"
(Faz cara de "nunca ouvi falar".) "Claro!"
"O negócio do Burt Bacharach é que ele é chique."
"Isso! Agora você disse tudo!"
"Até que você parece um pouco com ele"
(Feliz da vida.) "Você acha?"
E-mail: ercilia@bol.com.br


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