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"NAUFRÁGIOS E OBSTÁCULOS ENFRENTADOS PELAS ARMADAS..."
Estudo precoce ilumina a história da navegação portuguesa
RICARDO BONALUME NETO
DA REPORTAGEM LOCAL
Em 1998 o jovem historiador
Fábio Pestana Ramos fez
uma interessante palestra na reunião anual da SBPC (Sociedade
Brasileira para o Progresso da
Ciência) em Natal (RN). Seu tema
de pesquisa era os navios da Carreira da Índia, a rota de Portugal
para o Oriente inaugurada com a
viagem de Vasco da Gama em
1497-1499. Pestana Ramos foi então entrevistado pela Folha.
O acerto dessa entrevista precoce está agora demonstrado com a
publicação deste livro -bem escrito, bem ilustrado e bem munido de gráficos explicativos. Como
relata no prefácio a orientadora
do autor, Mary del Priore, a obra
"foi selecionada entre 1.963 trabalhos de pesquisa desenvolvidos
em toda a USP, recebendo em
1998 menção honrosa da Pró-Reitoria de Pesquisa".
E o mais interessante é que o livro surgiu de um trabalho de iniciação científica financiado com
bolsa da Fapesp (Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo). Como diz outra professora do departamento, uma
das maiores especialistas brasileiras em história colonial, Laura de
Mello e Souza, "muitas dissertações de mestrado não apresentam
a qualidade deste trabalho" (um
comentário tristemente realista).
Pestana Ramos é um dos raros
historiadores brasileiros a se debruçar sobre a história das navegações portuguesas. Em Portugal
essa é de longe a principal área de
estudos históricos. No Brasil os
historiadores preferiram se concentrar sobre o período pós-independência. Mas nos últimos anos
tem aumentado o interesse pela
história comum dos países. Afinal, o Brasil foi colônia portuguesa durante três quintos dos seus
mal celebrados 500 anos.
Foi a incapacidade de Portugal
de manter uma navegação eficiente para a Ásia e de administrar suas colônias na região que
facilitaram a transferência do eixo
do colonialismo português do Índico para o Atlântico.
Pestana Ramos mostra em detalhe a construção dessa rota de navegação vital e os seus percalços.
Ele não descuida da dimensão humana. São excelentes os capítulos
falando das condições a bordo, da
estratificação social, da alimentação, dos rituais e das técnicas de
construção naval.
Nesse ponto o livro lembra, ainda que em dimensão mais modesta, um clássico da história social
da vida naval, "The Wooden
World - An Anatomy of the Georgian Navy", de N.A.M. Rodger,
que estuda em detalhe a marinha
britânica do século 18.
Um dos poucos problemas do
livro -talvez inevitável dada a dimensão da obra- é a falta de
uma bibliografia estrangeira sobre o tema. É óbvio que as fontes
primárias estão em arquivos portugueses que ele consultou; e que
as principais fontes secundárias
estão em português.
Mas isso traz o risco de transformar o autor em refém da vasta
historiografia portuguesa, em
grande parte -especialmente
aquele produzida durante o salazarismo- extremamente nacionalista. Por exemplo, ele comenta
que, valendo-se da experiência
portuguesa de construção naval,
Holanda e Inglaterra puderam
criar navios melhores.
Bastaria uma consulta à literatura estrangeira para ver que isso
não é verdade, que há forte tradição naval norte-européia que não
é caudatária da ibero-atlântica.
Um detalhe pouco presente no
livro é a dimensão militar. Muitas
das naus e caravelas ficavam no
Oriente como núcleo da força naval que dominou o Índico por
quase cem anos. Em Diu, norte da
Índia, em 1509, uma frota portuguesa desbaratou um ataque vindo do Egito dos mamelucos,
criando as bases da dominação
marítima européia na Ásia.
Um último detalhe curioso na
escrita. Pestana Ramos comenta
que "um povo de sangue quente",
como o português, temia levar
mulheres a bordo em meio à tripulação majoritariamente masculina. Bem, isso acontecia com
todos os povos, já que "sangue
quente" não é exclusividade lusa.
"Naufrágios e Obstáculos Enfrentados pelas Armadas da
Índia Portuguesa: 1497-1653"
Autor: Fábio Pestana Ramos
Editora: Humanitas
Quanto: R$ 15 (330 págs.)
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