São Paulo, sábado, 26 de maio de 2001

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TEATRO

"Lisbela e o Prisioneiro", de Guel Arraes, encanta pela singeleza

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Dizer que "Lisbela e o Prisioneiro" é transposição para teatro de um seriado de TV seria equivocado, tanto em relação ao espetáculo quanto ao diretor. Guel Arraes adaptou o romance de Osman Lins originalmente para uma minissérie da Globo, em cenas curtas de sucessão vertiginosa, distanciadas de quando em quando por vinhetas comicamente anacrônicas, mas esse seu modo inconfundível de contar histórias se presta com igual eficácia em qualquer mídia.
A desenvoltura intermídia de Guel se torna evidente pelo fato de que sabe pôr em cena todos esses recursos a serviço da história que conta, sem que nunca roubem o foco do delicioso texto de Lins e do lúdico desempenho dos atores. Não quer impressionar pela modernidade, pelo contrário: estabelece uma cumplicidade imediata com o público, ancorando-se firmemente no universo em que está confortável, a farsa brasileira.
O romance de Lins faz fronteira ao norte com Suassuna, pela engenhosa comédia de erros na qual se sucedem em reviravoltas traições e juras de morte, falsos galãs e valentes escachados. Pelas frases de espontânea poesia, sínteses de Shakespeare e cordel ("Lisbela me condenou à vida sem ela", "Se eu morrer, vou ter saudades de mim"), faz fronteira ao sul com Guimarães Rosa.
A fábula da paixão de Leléu, moço que se deslumbrou ao ver o zepelim e "se danou no mundo", por Lisbela, a filha do delegado que sonha no cinema enquanto não casar com Douglas, falso carioca, candidato a corno, revela até a subversão o universo do brasileiro que se deslumbra com o sonho americano e não quer mais acordar no precário.
O espetáculo talvez perca consistência ao confiar demais no "ruinzinho" do teatro de revista, sobrecarregando as marcas e exagerando os tipos. Escapa do besteirol, no entanto, graças a dois grandes desempenhos. Virgínia Cavendish, a Lisbela que chora todas as lágrimas e beija todos os beijos do cinema americano, sabe tornar tocantes os clichês que diz, pela fé ingênua com que os assume. Tadeu Mello se adequa tão completamente ao patético Cabo Citonho que torna o tipo desde já imortal, assumindo assim, na academia da chanchada nacional, a cadeira de Oscarito.
Não é nem americano nem nada para impressionar, mas o espetáculo encanta pela singeleza e faz com que a gente saia do teatro reconciliado com a gente mesma. "Lisbela e o Prisioneiro" é como beijo em cinema: familiar e inesquecível.


Lisbela e o Prisioneiro
   
Texto: Osman Lins
Direção: Guel Arraes
Com: Virgínia Cavendish, Bruno Garcia
Onde: teatro Hilton (av. Ipiranga, 165, região central, tel. 0/xx/11/259-6508)
Quando: sex., às 21h30; sáb., às 19h30 e 21h30; dom., às 18h. Até 1º/7
Quanto: R$ 25



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