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ANÁLISE
Falta fantasia ao "Programa do Ratinho"
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Mais família impossível. Oferecido atualmente por uma
marca de fraldas descartáveis, o
"Programa do Ratinho" (SBT) se
especializou na prestação de serviços úteis à moderna administração do lar. Quem te viu, quem te
vê. Longe dos excessos sensacionalistas e dos discursos moralistas
que tanta polêmica geraram no
passado, o programa se concentra
em uma agenda próxima do politicamente correto.
A pauta combina uma espécie
de popularização do repertório
saúde e natureza, com recursos e
performances de circo. Referências um pouco mais apimentadas
aparecem, fugazes.
Uma campanha antitabagista
oferece prêmios a quem parar de
fumar. Convidados divulgam
produtos naturais, como um livro
de receitas medicinais que ensina
fórmulas para, por exemplo, aumentar a libido feminina.
"O Sombra" faz suas intervenções misteriosas protegido pelo
anonimato. O quadro "DNA" oferece um pouco de barraco, com
direito à torcida do auditório. Ficamos conhecendo fulana que
acusa sicrano de não assumir a
paternidade de seu filho ou filha.
Nos dias de hoje, Machado de
Assis teria dificuldade em manter
o clima de "Dom Casmurro". A
oferta de exames representa uma
arbitragem em conflitos familiares. Resultados positivos ou negativos não obrigam a composição
de núcleos familiares. Mas a evidência, com legitimidade científica, pode levar pais a assumir alguma responsabilidade.
Uma central fora do palco alimenta o programa com imagens
curiosas e grotescas. Vídeos caseiros provêem de notícias estrangeiras à la cacetadas do Faustão,
de acordo com ênfases temáticas.
No centro de um palco em que
acontecem muitas coisas, Ratinho
alinhava o programa, interagindo
simultaneamente com interlocutores diversos. O apresentador se
dirige ao público em casa, olhando diretamente para a câmera.
Fala com o auditório. Inquire o cinegrafista. Palhaços banzam, bolinando convidados.
O acompanhamento da flutuação de audiência em tempo real
permite encompridar o que dá
certo e encurtar o que dá errado.
Convidados que vão bem são premiados com retornos. O ritmo é
ágil. Mas o espetáculo transpira
uma certa mornidão, com direito
a comercial de cerveja.
O "Programa do Ratinho" tem
alguma semelhança com o Chacrinha, o que desperta a admiração romântica de alguns. Conhecido por promover experiências
pop que atraíram os tropicalistas,
Chacrinha também usava recursos circenses em seus programas.
Mas falta ao Ratinho um pouco
do senso de irresponsabilidade, o
pouco caso consigo próprio, a auto-ironia que dava um tom carnavalesco ao espetáculo do velho
guerreiro. Falta fantasia.
Esther Hamburguer é antropóloga e
professora da ECA-USP
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