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São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 2003

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ANÁLISE

Falta fantasia ao "Programa do Ratinho"

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Mais família impossível. Oferecido atualmente por uma marca de fraldas descartáveis, o "Programa do Ratinho" (SBT) se especializou na prestação de serviços úteis à moderna administração do lar. Quem te viu, quem te vê. Longe dos excessos sensacionalistas e dos discursos moralistas que tanta polêmica geraram no passado, o programa se concentra em uma agenda próxima do politicamente correto.
A pauta combina uma espécie de popularização do repertório saúde e natureza, com recursos e performances de circo. Referências um pouco mais apimentadas aparecem, fugazes.
Uma campanha antitabagista oferece prêmios a quem parar de fumar. Convidados divulgam produtos naturais, como um livro de receitas medicinais que ensina fórmulas para, por exemplo, aumentar a libido feminina.
"O Sombra" faz suas intervenções misteriosas protegido pelo anonimato. O quadro "DNA" oferece um pouco de barraco, com direito à torcida do auditório. Ficamos conhecendo fulana que acusa sicrano de não assumir a paternidade de seu filho ou filha.
Nos dias de hoje, Machado de Assis teria dificuldade em manter o clima de "Dom Casmurro". A oferta de exames representa uma arbitragem em conflitos familiares. Resultados positivos ou negativos não obrigam a composição de núcleos familiares. Mas a evidência, com legitimidade científica, pode levar pais a assumir alguma responsabilidade.
Uma central fora do palco alimenta o programa com imagens curiosas e grotescas. Vídeos caseiros provêem de notícias estrangeiras à la cacetadas do Faustão, de acordo com ênfases temáticas.
No centro de um palco em que acontecem muitas coisas, Ratinho alinhava o programa, interagindo simultaneamente com interlocutores diversos. O apresentador se dirige ao público em casa, olhando diretamente para a câmera. Fala com o auditório. Inquire o cinegrafista. Palhaços banzam, bolinando convidados.
O acompanhamento da flutuação de audiência em tempo real permite encompridar o que dá certo e encurtar o que dá errado. Convidados que vão bem são premiados com retornos. O ritmo é ágil. Mas o espetáculo transpira uma certa mornidão, com direito a comercial de cerveja.
O "Programa do Ratinho" tem alguma semelhança com o Chacrinha, o que desperta a admiração romântica de alguns. Conhecido por promover experiências pop que atraíram os tropicalistas, Chacrinha também usava recursos circenses em seus programas. Mas falta ao Ratinho um pouco do senso de irresponsabilidade, o pouco caso consigo próprio, a auto-ironia que dava um tom carnavalesco ao espetáculo do velho guerreiro. Falta fantasia.


Esther Hamburguer é antropóloga e professora da ECA-USP


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