São Paulo, quarta-feira, 26 de maio de 2004

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ANÁLISE

Violência da vida animal aparece ordenada

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Documentários sobre o mundo animal oferecem imagens impressionantes sobre um universo que não costumamos olhar. Curiosamente esse visual "natural" aparece como mais extraordinário do que as notícias escabrosas dos telejornais. Mesmo que a morte violenta seja tema recorrente em ambos.
Por mais inusitado que seja o drama, a pauta jornalística de todo dia banaliza imagens terríveis. Os casos sensacionais não páram.
Na última segunda-feira soubemos do drama do pai no Rio de Janeiro que, diante da recusa da polícia em subir o morro, desceu o corpo do filho assassinado em um carrinho de mão.
Perto dos inúmeros casos explosivos, a violência crua do animal que luta para sobreviver aparece estranhamente ordenada.
A linguagem é clássica. Filmes exibidos em canais especializados ou na TV aberta têm um narrador que explica movimentos que acompanhamos em detalhe.
Essa voz dá sentido ao movimento selvagem de bichos que matam outros bichos, em habitat circunscrito, através de métodos cientificamente conhecidos.
"Além da Sobrevivência", no Animal Planet, por exemplo, mostra predadores especiais que desenvolveram mecanismos adequados à sua situação peculiar de isolamento.
O "dragão de komodo", um lagarto descendente dos dinossauros, figurinha carimbada nos programas do gênero, cultiva uma potente colônia de bactérias infecciosas em sua boca constantemente carregada de restos de comida. A morte da presa pode demorar alguns dias, mas o bicho jurássico está equipado com potentes narinas, capazes de captar o odor do corpo sem vida em um raio de oito quilômetros.
As câmeras estão ficando cada vez mais ousadas na arte de captar, simular ou provocar o movimento selvagem. Às vezes as imagens são produzidas em computador, como em série do Discovery em que cientistas explicam a evolução das espécies.
Há casos, mais emocionantes, em que o narrador interage com os animais, como no "Operação Tigres-de-Bengala", também do Animal Planet.
Em computador ou em campo, o discurso sobre a violência animal exibe uma lógica hierárquica implacável, que toma ares de ficção perto das explosões que ordenam o telejornal.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP

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