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ANÁLISE
Violência da vida animal aparece ordenada
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Documentários sobre o
mundo animal oferecem
imagens impressionantes sobre
um universo que não costumamos olhar. Curiosamente esse visual "natural" aparece como mais
extraordinário do que as notícias
escabrosas dos telejornais. Mesmo que a morte violenta seja tema
recorrente em ambos.
Por mais inusitado que seja o
drama, a pauta jornalística de todo dia banaliza imagens terríveis.
Os casos sensacionais não páram.
Na última segunda-feira soubemos do drama do pai no Rio de
Janeiro que, diante da recusa da
polícia em subir o morro, desceu
o corpo do filho assassinado em
um carrinho de mão.
Perto dos inúmeros casos explosivos, a violência crua do animal que luta para sobreviver aparece estranhamente ordenada.
A linguagem é clássica. Filmes
exibidos em canais especializados
ou na TV aberta têm um narrador
que explica movimentos que
acompanhamos em detalhe.
Essa voz dá sentido ao movimento selvagem de bichos que
matam outros bichos, em habitat
circunscrito, através de métodos
cientificamente conhecidos.
"Além da Sobrevivência", no
Animal Planet, por exemplo,
mostra predadores especiais que
desenvolveram mecanismos adequados à sua situação peculiar de
isolamento.
O "dragão de komodo", um lagarto descendente dos dinossauros, figurinha carimbada nos programas do gênero, cultiva uma
potente colônia de bactérias infecciosas em sua boca constantemente carregada de restos de comida. A morte da presa pode demorar alguns dias, mas o bicho
jurássico está equipado com potentes narinas, capazes de captar
o odor do corpo sem vida em um
raio de oito quilômetros.
As câmeras estão ficando cada
vez mais ousadas na arte de captar, simular ou provocar o movimento selvagem. Às vezes as imagens são produzidas em computador, como em série do Discovery em que cientistas explicam a
evolução das espécies.
Há casos, mais emocionantes,
em que o narrador interage com
os animais, como no "Operação
Tigres-de-Bengala", também do
Animal Planet.
Em computador ou em campo,
o discurso sobre a violência animal exibe uma lógica hierárquica
implacável, que toma ares de ficção perto das explosões que ordenam o telejornal.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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