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análise/atriz
Prêmio ilumina trabalho delicado de uma anti-diva
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA, EM CANNES
O grande mérito do júri do
61º Festival de Cannes ao reconhecer o trabalho de Sandra
Corveloni com o prêmio de melhor atriz está na coragem de
chamar a atenção para um trabalho que, sozinho, não chama
a atenção para si mesmo.
O prêmio foi considerado
uma das surpresas da noite,
pois a competição contava com
pelo menos quatro filmes conduzidos por fortes personagens
femininos, todos defendidos
com garra por suas atrizes. Julianne Moore em "Ensaio sobre a
Cegueira", Arta Dobroshi em
"Le Silence de Lorna" (o silêncio de Lorna), Martina Gusmán
em "Leonera" e Angelina Jolie
em "Changeling" (a troca) vinham freqüentando as listas de
apostas que antecederam a premiação nessa categoria -mas
isso não significa que a decisão
do júri tenha sido injusta.
Ao contrário, esse prêmio
ilumina um trabalho delicado,
construído com imenso talento, que apenas estava mais escondido pelas próprias características do trabalho de Sandra
(que foge totalmente do formato diva ou da "grande interpretação feminina") e também pela própria estrutura de "Linha
de Passe".
Como já foi dito, o longa-metragem de Walter Salles e Daniela Thomas não traz um protagonista evidente e possui um caráter essencialmente coletivo, com sua linha dramática
que se divide de maneira um
tanto uniforme entre os cinco
membros dessa família da periferia de São Paulo (mãe e quatro filhos).
Mas a personagem de Sandra, de alguma forma, é a espinha dorsal do filme, na mesma
medida em que Cleuza é a espinha dorsal dessa família, que
resume as aflições e alegrias de
tantas famílias das periferias de
uma grande cidade brasileira.
Em um festival em que a maternidade foi um tema tão presente, a Cleuza de Sandra Corveloni foi uma das mães mais
humanas e comoventes. Cleuza
pode não ter uma grande causa
para defender, como era o caso
de todas as outras protagonistas. Sua grandeza está diluída
em pequenos desafios do cotidiano, no desespero da mãe que
fica a madrugada toda acordada
enquanto o filho menor, rebelde por natureza, não volta para
casa; na humilhação de ver a
patroa substituí-la contra a sua
vontade; e até mesmo na dor da
possibilidade de ver o seu time
de coração ser rebaixado.
Uma das características de
Cannes é que há muitos filmes
e poucos prêmios. Foram 22
longas em competição, dos
quais apenas nove foram recompensados -ou apenas sete,
se não forem considerados os
dois prêmios especiais conferidos a Clint Eastwood e a Catherine Deneuve pelo conjunto de
suas carreiras. Nesse contexto,
o prêmio para Sandra Corveloni é uma merecida vitória, com
um sabor todo especial.
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