São Paulo, quarta-feira, 26 de junho de 2002

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ANÁLISE

Projeto híbrido é destaque entre os modernistas

GUILHERME WISNIK
ESPECIAL PARA A FOLHA

Flávio de Carvalho tornou-se mais conhecido por suas performances e por seu temperamento provocativo do que por sua arquitetura. Isso talvez se deva ao fato de que, nessas atividades mais "experimentais", ele tenha travado importantes diálogos tanto com outras áreas do modernismo brasileiro, como a literatura de Oswald de Andrade, quanto com movimentos posteriores, como a tropicália (tanto na música como no teatro).
Para isso basta pensar em sua passeata-desfile ("Traje New Look Tropical"), de 1956, em que saiu às ruas vestido de saia, ou nas suas "Experiências" da década de 30, em que desacatou uma procissão de Corpus Christi e terminou preso após ser quase linchado.
Já no campo da arquitetura, são sutis os traços que diferenciam o conjunto de residências na alameda Lorena -seu projeto mais conhecido- das casas de Gregori Warchavchik.
Aliás ambos, representantes do pioneirismo moderno paulista na arquitetura, passaram para um discreto segundo plano após o deslanche da "escola carioca" na década de 30.
Flávio, sobretudo, que notabilizou-se por ter construído muito pouco, ficou na sombra. No entanto o que importa destacar em sua obra arquitetônica não é o resgate de um discutível pioneirismo, mas o modo espantoso como representa um caso híbrido e dissonante entre seus pares.
Flávio de Carvalho tinha um modo tão próprio de projetar que não fez escola. Sua arquitetura não seguiu nem o caminho plástico de Le Corbusier nem o pedagógico-formativo da Bauhaus. Procurou mais uma combinação heteróclita entre futurismo e culturas ancestrais.
Esses elementos, que fazem despontar o seu caráter mítico-simbólico, se materializam no projeto de sua casa, na fazenda Capuava.
Pois a forma piramidal do corpo principal, acompanhado de duas alas domésticas, apelidadas de "labirinto das tumbas", tornam a referência à arquitetura egípcia evidente. Mas a analogia moderna de uma aeronave, com duas asas abertas, é igualmente plausível.
Completando com uma combinação interna de painéis de madeira e de alumínio, esse "objeto não-identificado" é capaz de aludir à capacidade da tecnologia de ser, ao mesmo tempo, visionária e irracional. Pela qual, no caso, a potência trágica das vanguardas, que assume nessa casa um caráter mórbido, é posta a favor de uma fantasia libertária, vivida ao mesmo tempo como um ímpeto erótico de vida.


Guilherme Wisnik é arquiteto, autor de "Lucio Costa" (Cosac & Naify, 2001)



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