São Paulo, sábado, 26 de junho de 2004

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MÚSICA

Baterista nigeriano que tocou nas bandas de Fela Kuti apresenta-se pela primeira vez no país, ao lado de Sandra de Sá

Pulso de Tony Allen une Brasil e África

ALEXANDRE MATIAS
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Como o multiinstrumentista nigeriano Fela Kuti (1938-97) exigiu o holofote da história para seus discursos de ritmo incendiário, o baterista Tony Allen foi deixado em segundo plano como uma espécie de Sancho Pança do jazz-funk africano. Mas basta ouvir qualquer álbum de Kuti para entender que Allen era a força motriz e a arma secreta das bandas do artista -Africa 70 e Egypt 80.
Allen era companheiro de longa data e tocava com Kuti desde os tempos em que sua banda chamava Koola Lobitos. Formado nos anos 60 apenas por estudantes nigerianos que faziam faculdade em Londres, o grupo logo passaria por uma drástica transformação em sua primeira turnê aos EUA.
Lá, Fela Kuti foi apresentado à nata de uma cultura negra em plena ebulição, que incluía free jazz, movimentos políticos e rock alto. Absorveu com a mesma intensidade as palavras de Jimi Hendrix, Malcolm X, Ornette Coleman, Sly Stone e Eldrigde Cleaver e mudou a banda: a partir daquela viagem de 1969, os Koola Lobitos se tornavam Fela Kuti & Africa 70 e nascia um novo gênero musical, o afro-beat.
Idealizado por Kuti, o gênero não sairia do lugar não fosse o pulso preciso de Allen, que se apresenta hoje e amanhã dentro da programação do Fórum Mundial de Cultura. Kuti morreu em 1997, mas o trabalho de Allen continua a pleno vapor. Ele, que já havia colaborado com grandes nomes do pop africano (como Manu Dibango e Ray Lema), passou as duas últimas décadas experimentando gêneros desconhecidos e possibilidades em estúdio. Lançou seu último disco, "Home Cooking!", em 2003, e tem colaborado com Damon Albarn, vocalista do grupo inglês Blur, e com o novíssimo MC e produtor inglês Ty. Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Tony Allen deu à Folha.
 

Folha - Que semelhanças você vê entre a música brasileira e a do continente africano?
Tony Allen -
O Brasil tem muitas semelhanças com a África, por serem continentes de ritmos que surgiram do sofrimento. Tivemos a escravidão no passado, que nos tornou irmãos de sangue. E são culturas de países que não tiveram oportunidade de desenvolvimento, por isso são culturas nascidas na pobreza, mas que não são pobres. Há um lado na pobreza que não é tão negativo, que faz com que os pobres vivam mais do que os ricos, tenham mais experiência e intimidade com a vida do que aqueles que se dizem ricos. E, para falar dessa vida, eles colocam a boca no mundo.

Folha - Você tem algum artista brasileiro favorito?
Allen -
Gosto especificamente de Gilberto Gil, que é uma pessoa em que eu sempre presto atenção. Ele é tão político quanto artista, tem uma desenvoltura muito boa para falar e idéias que realmente importam. E tem estilo. Seu violão é uma assinatura inconfundível.

Folha - Ele é o atual ministro da cultura do Brasil...
Allen -
Sim, eu sei, e parece uma escolha óbvia para o cargo -não por ser um artista representativo do Brasil, que também ele é, mas por ter uma visão ampla de toda a situação. Acredito que o fato de eu estar finalmente indo para o Brasil está diretamente ligado ao seu cargo no governo. Não que ele tenha me convidado ou intercedido ao meu favor, mas estamos na mesma sintonia.

Folha - Você o conhece?
Allen -
Não, mas adoraria. Quem sabe, nessa viagem... Também não conheço Sandra de Sá, com quem irei tocar aí, mas acho que terei uma ótima oportunidade para conhecer seu trabalho.

Folha - Desde os anos 80, você está atento a outros gêneros musicais e novas técnicas de gravação...
Allen -
Houve uma época em que eu percebi que o afro-beat poderia se estagnar, parar no tempo. E a música tem que se mover. E, se havia a possibilidade de um ritmo rico e forte como o afro-beat parar no tempo, eu mesmo teria que colocá-lo andando de novo. Por isso comecei a me aproximar de artistas de hip hop, produtores de dub e de dance music.


TONY ALLEN E SANDRA DE SÁ.
Quando: hoje, às 20h30, no Sesc Pompéia (r. Clélia, 93, Pompéia, SP, tel. 0/xx/11/3871-7700), e amanhã, às 15h, no Sesc Itaquera (av. Fernando do Espírito Santos Alves Matos, 1.000, Itaquera, SP, tel. 0/xx/11/6521-7272). Ingressos: R$ 15.



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