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LIVRO/LANÇAMENTO
Narrativas do autor paulista sobre facínoras "românticos" são reunidas em livro depois de 25 anos
Valêncio Xavier costura seus ícones bandidos
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Aos 70 anos, o paulista Valêncio Xavier pode ser considerado o mais jovem escritor brasileiro em atividade. O paradoxo
serve para demonstrar com que
total insubordinação sua obra
vem destilando nos últimos 30
anos toda sorte de impurezas
alheias às normas literárias, mas
quase sempre com alcance apenas
subterrâneo. Valêncio costura
ícones como um montador de cinema, outra de suas ocupações.
Assim (e com precisão cirúrgica
de legista), parece ser o único autor atual a continuar as intervenções visuais propostas por Machado de Assis em "Brás Cubas".
Mas a artesania dessas justaposições não se limita à união de textos e imagens numa proporção
onde não é possível distinguir superioridade entre uns e outros.
Em livros como "O Mez da Grippe" e "Minha Mãe Morrendo",
além da onipresença da morte, o
que clama por atenção são os diálogos com outras linguagens. É
essa proximidade a celebrada em
"Crimes à Moda Antiga", livro
que reúne assassinatos escabrosos ocorridos no Brasil e adaptados para as telas entre 1906 e 1930.
Publicadas originalmente em
1978 e 1979 na revista "Atenção",
de Curitiba, as narrativas (pela
primeira vez reunidas em livro)
misturam o tom sensacionalista
dos cinedocumentários e do rádio, recuperando na maior parte
casos ocorridos numa São Paulo
ainda estagiária da sua atual condição de metrópole refém dos
muros eletrificados e da violência.
Em 1908 parecia fácil livrar-se
de um cadáver: bastava ser proprietário de mala com tamanho
condizente à vítima, tomar um
navio e jogá-la do convés. Foi assim que Miguel Trad tentou se livrar do corpo do patrão.
Esse crime da mala é um dos
poucos no livro ainda a permanecer no imaginário popular brasileiro, talvez por se confundir com
outro homicídio envolvendo bagagens, ocorrido 20 anos depois,
quando José Pistone matou sua
mulher, Maria Féa. Depois de maquiá-la com cuidado, a despachou de navio para um falso endereço na Itália. O corpo mutilado foi descoberto antes de o navio
zarpar, e o italiano foi preso.
O caso certamente serve para
ilustrar a ingenuidade dos facínoras "românticos" da época. Também é curioso ver a predominância de nomes estrangeiros entre os
bandidos, como Rocca e Carletto
(os "estranguladores da Fé em
Deus"), ou os gângsteres tropicais
Kindermann e Papst. Era o auge
da imigração no país, e o exotismo de tais nomes incendiava a
imaginação brasileira, além de
deixar arder os preconceitos.
Um dos principais elementos da
ficção de Valêncio é a delimitação
precisa de suas narrativas ao espaço-tempo compreendido pela
belle époque, o que atribui certo
ar anacrônico a seus livros, calcados na memória de eventos históricos, adulterados ou não.
Em tom de teatro Grand Guignol, é constante a presença da
morte, da magia, além da amputação dos corpos acompanhando
o decepar de textos. Mas a colagem gráfica de extrema originalidade de "O Mez da Grippe" ou "O
Minotauro" não está presente em
"Crimes à Moda Antiga". O que
só aumenta a sua importância,
permitindo compreender como o
Frankenstein de Curitiba atingiu
a fórmula do equilíbrio entre retalhos verbais e visuais para dar vida a seus melhores livros.
Joca Reiners Terron é escritor, publicou
"Hotel Hell" (2003) e "Curva de Rio Sujo"
(2003), entre outros
Crimes à Moda Antiga
Autor: Valêncio Xavier
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 33 (184 págs.)
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