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Lixo cultural vira arte pop
da Reportagem Local
Não se trata de querer defini-la
como gênio incompreendido ou
qualquer coisa assim. Desnecessário afirmar que ela não é. Gretchen
é um artefato do fenômeno pop, e
por isso a tardia coletânea "20 Sucessos" é uma preciosidade.
Não seria exagero caracterizar o
culto a que sua obra foi submetida
a partir de 92 como tributário daquele imaginário realçado pelo
papa da pop art, Andy Warhol.
No caso de Gretchen, o mistério
se dá nos domínios do lixo cultural. De tão inacreditáveis, as artimanhas arquitetadas por ela e seu
inventor Mister Sam para seduzir
homens e vender discos configuram-na como algo exótico, divertido, um achado.
Era menos quando ela surgiu.
Não era fácil vislumbrar nela qualquer coisa além da empulhação
-como acontece, hoje, com seu
clone industrializado Carla Perez.
Mas os anos se passaram e vieram os 90, tempos de cultura noturna metropolitana e tempos de
revolução nos (agora) chamados
meios GLS. E até com o conceito
GLS Gretchen remexe.
Mesmo nos 90, continua a ser
prodígio essencialmente masculino -descontadas as crianças, em
geral misteriosamente abertas à
vulgaridade. Mulheres se divertem
e rebolam ao som de "Conga,
Conga, Conga", mas ainda é entre
os homens que ela provoca furor.
A empatia imediata, como ela
mesma credita, se dá entre homens gays. Por sabe diabo que razão -ela acha que por identificação de feminilidade, mas isso é
tosco chavão-, a boneca feita sob
medida para enlouquecer homens
heterossexuais hoje enlouquece
homens homossexuais.
Mas o fenômeno não se extingue
aí, entretanto. Homens heterossexuais também tombam diante de
"Melô do Piripipi". Não mais
diante da beleza e sensualidade
questionáveis -que os padrões já
mudaram, Carla Perez à parte-,
mas diante da música em si.
E todos sabem que é lixo cultural, e todos riem, e todos zombam.
Mas aquela gritaria, os gemidos,
os "uis", os rebolados, foram o
que restou -a imagem de Gretchen se dissolveu. A gente gosta é
da música que a moça canta. Pode
ser algo mais que um inexplicável
fenômeno de arte pop? Sopa
Campbell, sabão em pó Omo, Baconzitos, Gretchen, há diferença?
Bem, para saciar o apetite por lixo cultural, aí está "20 Sucessos".
Há um sem-fim de baladas
sub-Roberto Carlos, mas, quando
a imperatriz do fake se faz latina,
multilíngue, sensual, é só deleite.
E ainda há uma questão a matutar: será que em 15 anos o Tchan
estará redirecionado a objeto de
culto pop? Se sim, dá para pensar
em guardar desde já. Meda.
(PAS)
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