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Canção foi rotulada como música do fascismo
em São Paulo
Mísia faz parte de uma geração,
ao lado de Maria João, Dulce Pontes e Teresa Salgueiro (Madredeus), que se beneficiou do fim de
uma falsa polêmica surgida logo
depois da Revolução dos Cravos,
em abril de 74.
Aos 48 anos de fascismo salazarista, em que todas as artes sucumbiram ao peso da censura imposta pela aliança moralista entre
Estado e religião, resistiu apenas a
tradição do fado.
Compositores e intérpretes pagaram um preço: a canção urbana,
surgida nas tabernas de bairros
populares em meados do século
19, foi autorizada a explorar apenas a visão fatalista. No nascimento, essa visão era apenas uma das
várias formas de cantar fado.
"Há algum tempo eu fiz uma
pesquisa e levantei composições
que faziam parte do que podemos
chamar de um fado anarquista
cantado entre os operários", conta Mísia.
O fado também era alegre, e de
Lisboa cantava-se mais do que o
cheiro a mar e água benta. No
tempo do fascismo, o fado corridinho fez escola carregado por quadras simplórias.
Limitado a temas conformistas,
o fado foi rotulado como música
do fascismo, caiu em desgraça nos
anos da revolução e saiu das paradas.
"Hoje, temos muito mocinho
cantando fados reacionários e velhas vozes interpretando fados revolucionários. Mas o que importa
é a fuga dos lugares-comuns",
afirma Mísia. Para o próximo CD,
em produção, ela tem duas escolhas feitas: um poema de Cecília
Meireles ("Trânsito") e outro de
Drummond ("Ainda Que").
Esse cuidado com as palavras foi
trilhado de forma "arriscada e solitária", lembra Mísia. Muitas vezes, fora de Portugal.
Filha de pai português e mãe catalã, ela não acha que a situação de
forasteira produza, por si só, algum milagre criativo. Admite, no
entanto, que os portugueses caem
mais facilmente na "armadilha da
memória afetiva", quando estão
fora do país.
"Parece que somos melhores lá
fora, nos sentimos mais portugueses."
Paralelo a um tempo de refinamento dos sentidos, muitos residindo ou passando longas temporadas no exterior, os novos intérpretes portugueses trocaram informações e experiências estéticas
com gente não apenas da música,
mas também do cinema e do teatro.
Um intercâmbio que se reflete
nas dedicatórias que Mísia faz em
"Garras" -da brasileira Maria
Bethânia, uma fadista como muitas portuguesas gostariam de ser,
aos cineastas Pedro Almodóvar,
da Espanha, e Manoel de Oliveira,
de Portugal.
Segundo Mísia, "foram pessoas
que funcionaram como uma luz
ao fundo do corredor", nos anos
"arriscados e solitários" em que a
nova geração de músicos tentava
se impor. Conseguiu.
(RN)
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