São Paulo, Sábado, 26 de Junho de 1999
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LIVROS - LANÇAMENTOS
Patricia Cornwell vive em seus personagens

RODOLFO LUCENA
Editor de Informática

A vida de Patricia Cornwell, 43, autora de livros policiais e campeã de vendas, daria um romance.
Nasceu em Miami, filha de um advogado e de uma secretária. Aos 5 anos, os pais se separaram, e ela e os dois irmãos passaram a ser criados pela mãe, que se mudou para a Carolina do Norte.
A família vivia perto do casal de evangelistas Ruth e Billy Graham -Ruth teria sido a primeira pessoa a incentivar Cornwell a escrever. E foi uma biografia dela ("A Time for Remembering") o primeiro livro publicado de Patricia Cornwell, em 1983.
Antes disso, ela estudou literatura e casou com um ex-professor de inglês. Trabalhou como repórter policial e também no Instituto de Medicina Legal de Virginia (hoje palco de seus romances policiais). Foi policial, trabalhando como voluntária.
Em 1988, seu marido decidiu se tornar pastor, ela resolveu não o seguir, e os dois se divorciaram em 1989. No ano seguinte, saiu "Post-mortem", e chegou o sucesso.
Com ele, também algumas experiências desagradáveis -em 1996, um ex-agente do FBI, Eugene Bennett, acusado de tentar matar sua mulher, disse ter ficado temporariamente louco porque ela estaria tendo um caso com a escritora.
Nos seus livros, Patricia Cornwell não faz uma autobiografia, mas suas histórias carregam muito das experiências da autora, como ela conta nessa entrevista, concedida por telefone de seu escritório em Richmond, Virginia (EUA).

Folha - Vários de seus livros já foram publicados no Brasil, mas só agora chega seu romance de estréia, "Post-mortem". O que esse livro e seu personagem, a dra. Kay Scarpetta, significam para você?
Patricia Cornwell -
Para mim, a dra. Scarpetta representa o ser humano moderno, esclarecido, alguém que se preocupa muito com a justiça e usa sua inteligência para combater o mal. Ela é basicamente uma pessoa não-violenta, apesar de já ter tido de se defender.

Folha - Em que a sra. se baseou para escrever "Post-mortem"?
Cornwell -
Fiz muita pesquisa antes de começar a escrever. Comecei minhas pesquisas em um Instituto Médico Legal em 1984, trabalhei lá. E vi os casos reais, os tipos de crime -é isso que me inspira.

Folha - Para criar a dra. Scarpetta, a senhora se baseou em uma personagem real? Ou ela é uma espécie de alter ego?
Cornwell -
Ela não é baseada em nenhum personagem real. Eu tenho uma amiga que é médica legista na Virginia, mas não é a base... Também não é baseada em mim. Claro que há similaridades entre Scarpetta e eu, no jeito de pensar, de sentir, de agir em algumas situações. Temos opiniões semelhantes, ela e eu odiamos injustiças... Mas ela tem sua própria personalidade.

Folha - Mas muitas características suas estão presentes nela.
Cornwell -
Sim, nós temos gostos muito parecidos em termos de arte, decoração... Ela coleciona instrumentos médicos antigos, eu também. Nós gostamos do mesmo tipo de música, ambas gostamos de cozinhar... Mas também há muitas diferenças: ela é uma patologista forense e advogada, eu sou formada em literatura; ela é católica, eu não. Mas nós duas somos divorciadas, nascemos em Miami... Eu escrevo sobre o que eu conheço. De certa forma, temos o mesmo código genético, mas somos duas pessoas diferentes.

Folha - A senhora também cria pratos, como Scarpetta?
Cornwell -
Sim. Eu lancei no ano passado um livro envolvendo comidas de Natal ("Scarpetta's Winter Table"). Todos são pratos que eu costumo fazer, e algumas receitas são de minha invenção.

Folha - Há também experiências negativas que a senhora compartilha com Scarpetta, como a de ter sido alvo de perseguições.
Cornwell -
Infelizmente, aqui nos EUA, a questão de segurança é muito real, especialmente se você é muito visível. Eu estou consciente de que pode haver pessoas interessadas em mim de uma forma não saudável. E isso também é verdadeiro com a dra. Scarpetta.

Folha - A senhora também coloca características suas em outros personagens, como a habilidade para o tênis da policial Virginia West, de "Hornet's Nest".
Cornwell -
Eu me baseio em coisas que são familiares. Além de minhas pesquisas, também uso minhas próprias experiências. Se eu joguei no time masculino de tênis, no colegial -o que eu fiz-, eu tenho um entendimento de como a pessoa se sente nessas circunstâncias. Eu tendo a colocar coisas da minha realidade, dentro de limites, porque me sinto melhor escrevendo sobre o que conheço. É o meu lado de repórter, nunca deixei de ser jornalista.

Folha - Os jornalistas são outra presença constante em seus livros. E não exatamente como personagens positivos.
Cornwell -
Os jornalistas estão basicamente sendo vistos pelos olhos de Scarpetta. Eles geralmente buscam informações que uma médica legista não gostaria de ver reveladas. Eu fui repórter policial e sempre procurei informações que a dra. Scarpetta não gostaria de revelar. Na minha vida atual, tenho muito contato com jornalistas, e a maioria de minhas experiências é positiva. Eu tenho muito respeito pelo jornalismo. É uma profissão difícil, e acho que não estaria onde estou hoje se não tivesse começado como jornalista.

Folha - Seus livros trazem vários personagens gays, o que é pouco comum em romances policiais, tradicionalmente reduto de machões.
Cornwell -
É o meu lado de repórter. Eu escrevo sobre o mundo como ele é. Tendo trabalhado por seis anos em um necrotério, tendo visto centenas de necropsias, eu conheço a morte e a violência, sei como as pessoas vivem de verdade e como elas morrem. E, se você escreve sobre o mundo real, você tem gente de todos os tipos. Você terá afro-americanos, brancos, brasileiros, pessoas de diferentes religiões e de diferentes opções sexuais. Acho que isso é a força do que eu escrevo: eu escrevo sobre pessoas que podem ser reais.

Folha - A sra. acaba de lançar seu primeiro livro infantil. O que a levou a entrar nesse terreno?
Cornwell -
Hoje de manhã fiz uma apresentação de meu livro a crianças de uma escola primária, elas pareceram gostar bastante. Nas minhas visitas a escolas, muitas vezes me perguntavam se eu tinha escrito algo que crianças pudessem ler. E eu decidi escrever.

Folha - Na literatura para adultos, a senhora iniciou uma outra série, baseada no personagem Andy Brazil, um jovem jornalista. Como foram as vendas do primeiro, "Hornet's Nest" (1997), em relação às histórias de Scarpetta?
Cornwell -
As histórias de Scarpetta vendem mais do que qualquer outra coisa que eu faça. Ela é minha personagem principal. Mas "Hornet's Nest" e, agora, "Southern Cross" (segundo livro com Andy Brazil, lançado este ano nos EUA) estão se saindo muitíssimo bem. E não estão muito atrás em termos de venda. E, se continuarem assim, poderão empatar com as histórias de Scarpetta.


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