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A literatura brasileira dividida por quatro
Fabiana Beltramin/Folha Imagem
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Os escritores Bernardo Carvalho (à esq.) e Luiz Ruffato observam Milton Hatoum e Marçal Aquino, em frente a obra de Renata Tassinari |
Folha reúne quatro
dos principais autores nacionais, todos convidados da Festa de Parati, para debater a ficção feita no país
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CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Marçal Aquino, Bernardo Carvalho, Milton Hatoum e Luiz Ruffato são quatro escritores brasileiros. Todos nascidos na mesma
sesmaria de tempo, saíram cada
um de um Estado do país para desaguarem em São Paulo.
Em carreiras que deslancharam
entre o final dos anos 80 e final
dos 90, o quarteto conseguiu prêmios, elogios de críticos e traduções para outros idiomas.
Aquino, Carvalho, Hatoum e
Ruffato nunca tinham parado para conversar uns com os outros.
Quatro dos convidados brasileiros da primeira edição da Festa
Literária Internacional de Parati,
a Flip, que acontece de sexta-feira
até domingo, na cidade colonial
fluminense, eles foram reunidos
pela Folha, no Centro Universitário Maria Antonia, em São Paulo,
com a "rara oportunidade", como
definiu Aquino, "de conversar sobre a literatura brasileira de hoje".
Em bate-papo informal, pontuados com risos e fagulhas, os romancistas falaram sobre a relação
da ficção nacional com a realidade violenta, discutiram o tamanho diminuto (mas crescente) do
mercado editorial, debateram as
estratégias dos autores da chamada "geração 90".
Leia trechos a seguir de uma
conversa que deve continuar na
próxima semana em Parati.
Folha - A escritora Patrícia Melo
diz que uma das marcas comuns da
literatura brasileira de hoje é o desespero. Vocês concordam?
Milton Hatoum - Acho que não é
só o desespero que move a literatura. O que move é a inquietação
de cada um, os fantasmas de cada
um, aquilo que pode se traduzir
em drama humano.
Marçal Aquino - Mas o desespero é um tempero importante.
Hatoum - É, mas às vezes o desespero leva a uma espera. O fim
de "Vidas Secas" [de Graciliano
Ramos] contém esperança.
Aquino - Em "São Bernardo"
[também de G. Ramos] não há.
Hatoum - O desespero pode ser
uma tábua, uma trama, um recurso. Quer dizer, não sou muito
aparelhado para falar sobre esperança, porque no que escrevi...
Luiz Ruffato - Existe isso que o
Milton falou, a busca por questões
pessoais e a realidade à sua volta.
Todo tipo de literatura reflete em
algum grau a inserção desse indivíduo nessa realidade. Com certeza a visão desesperançada é uma
característica da literatura como
um todo. Não há muita saída para
isso. A realidade sempre sufoca.
Bernardo Carvalho - Você falou algo de que discordo. Um dos
problemas da literatura brasileira
hoje é essa submissão à realidade.
O interessante, independentemente do seu desespero, é você
tentar vencê-lo. Se você for submisso à realidade não precisa
nem escrever. Quando se escreve
é por que se acredita em algo.
Acho que há uma espécie de volta
ao naturalismo na literatura brasileira que é uma submissão a essa
idéia de que a realidade determina o que a realidade é.
Ruffato - Estamos de acordo.
Carvalho - Justamente pela literatura estar sendo feita já está resistindo ao desespero.
Ruffato - Uma coisa é como a
realidade se sobrepõe às questões
individuais. Outra é quando ela
sufoca e você está colocando a cabeça para fora. Uma coisa que eu
chamarei de mimética, que é quase jornalística, que se faz muito, e
que acho um horror. Outra coisa é
a reflexão sobre essa realidade.
Folha - O que vocês acham da
idéia da literatura brasileira estar
muito submissa à realidade?
Aquino - Existe uma literatura
que está, a rigor, muito próxima
do jornalismo, que é quase o registro in natura da ocorrência cotidiana. Tem outra que só parte da
realidade, o que é maravilhoso.
Não se pode ter a pretensão de
apreender a realidade, você parte
dela para criar. A realidade é sempre mais brutal do que qualquer
ficção enlouquecida.
No meu caso a realidade está
muito próxima do meu texto, é
um caminho que escolhi, é até
uma limitação minha. Mas até pela prática do jornalismo percebi
que querer transportar a realidade de forma direta sem o filtro da
ficção soa artificial.
Folha - Saindo do desespero e da
relação com a realidade, gostaria
de saber que traços vocês enxergam em comum entre o que é feito
hoje na literatura brasileira?
Aquino - A tentativa de vislumbrar a coisa como um recorte, caso das coletâneas "Geração 90",
acho que é bastante discutível. O
maior mérito desse tipo de reunião é fazer um mapeamento da
produção de algum momento, a
discussão sobre se é ou não geração é conversa fiada. Mas o recorte que o Nelson de Oliveira (organizador da "Geração 90", leia sobre ela à pág. E3) faz mostra uma
característica, a pluralidade de
discursos. Faz muito tempo que a
literatura brasileira não tem uma
riqueza tão grande de abordagens. Não senti isso na década de
80. Os discursos são muito diferentes, aqui mesmo nessa sala.
Folha - Vocês concordam?
Hatoum - Não acredito em literatura geracional. O tempo vai dizer
qual texto sobrevive.
Carvalho - A diversidade sempre existiu, em qualquer época. O
que é curioso e até perigoso é uma
militância que não tem a ver com
a literatura, mas com a visibilidade, um traço normal de militância
de minorias. Se você pegar essas
pessoas, elas não têm nenhuma
questão em comum. Não é como
a nouvelle vague, um grupo que
fez um manifesto, iniciou um movimento. Aqui é uma militância
para criar espaço no mercado. O
perigo da impostura nisso é grande. Você junta alhos com bugalhos, como se fosse propaganda.
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