São Paulo, sábado, 26 de julho de 2003 |
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FESTA LITERÁRIA DE PARATI Autores discutem estratégias dos jovens ficcionistas e o mercado editorial do país Para escritores, faltam questões literárias
DA REPORTAGEM LOCAL
Luiz Ruffato - Você tem razão em
algum momento, Bernardo, mas
não é bem assim. Essa "Geração
90", que não existe, foi criada justamente para criar um espaço de
discussão, que eu acho até que já
se esgotou. Mas criou um fato.
Quem vai ou não ficar não tem a
menor importância. Bernardo Carvalho - Para mim
tem. Ruffato - Para mim não. O que
tem importância é o questionamento feito naquele momento.
Cada um que tome seu caminho.
Eu por exemplo não tenho nada a
ver com "Geração 90". Carvalho - Acho o contrário de
você. O foco está na publicidade. Ruffato - De quem? Carvalho - Das pessoas. Ruffato - Não concordo. Carvalho - Na abertura de um espaço de mercado. Ruffato - Isso é ótimo, não tínhamos mercado, hoje temos. Carvalho - Mas isso é negligenciar as coisas em si. Marçal Aquino - Mas aí entra a
consciência que cada um tem das
coisas que tem de escrever. Em
qualquer momento da literatura
ou arte vai haver impostura. Carvalho - A literatura para mim
tem um trabalho solitário muito
diferente do das outras artes. Os
movimentos são secundários. O
que importa é o que vai ficar, não
abertura de mercado. Ruffato - Houve uma tentativa
de abrir mercado, mas o que vai
ficar não decidiremos nós. Carvalho - Tudo bem, mas o movimento que para mim caracterizou essa "Geração 90" é, em primeiro lugar, uma autopromoção
incrível, que nunca houve. Ruffato - Estou fora. Aquino - Bernardo, você não disse em uma entrevista que não lê
seus contemporâneos? Carvalho - Disse. Não é que não
leia por mal, é uma deficiência
minha. Interfere em meu trabalho, me desvia do meu caminho.
Como disse nessa mesma entrevista, meu trabalho é frágil, tenho
de ficar me defendendo o tempo
inteiro para não desmoronar. Milton Hatoum - Entendo o que o
Bernardo quer dizer. Uma coisa é
o movimento geracional, que tenta se impor, às vezes arrombando
porta, de forma impositiva. Outra
coisa é movimento estético de
idéias. No Brasil, o modernismo
foi um divisor de águas. Folha - Nelson de Oliveira, organizador do "Geração 90", disse em
entrevista à Folha que apesar de
chamar o livro de "Os Transgressores" não via a coletânea como uma
ruptura, mas como continuidade
com o conto dos anos 70. Hatoum - Mas o que ficou do romance-reportagem dessa época?
O romance-reportagem, que trata
da singularidade para alegorizar a
totalidade da vida brasileira, não
vingou. E esses romances tinham
um problema para alegorizar, o
regime militar. Qual o problema
hoje? É a brutalidade da vida brasileira? Vocês dois tratam disso de
forma diferente [apontando para
Ruffato e Aquino], porque há
uma vivência aí. Mas será que esse
imediatismo de retratar essa brutalidade e em publicar vão levar a
algo interessante? Aquino - Mas com uma realidade dando soco o tempo todo na
cara de todo mundo, e não é possível ignorar, escritores que se
pretendam realistas não devem
também ter voz? Você fala muito
bem da alegoria que deu as cartas
nos anos da ditadura, porém é o
período em que surge também, e
trazendo a marca da brutalidade,
o Rubem Fonseca. E sem dúvida
os anos 70 são o auge dele. Hatoum - Temos hoje uma espécie de requentado do primeiro
Rubem Fonseca, só que não se resolve. Porque em Fonseca a solução vem pela novidade do tratamento da linguagem. Agora, não. Ruffato - Literatura é linguagem.
Se você não cria linguagem não
consegue discutir a realidade. Carvalho - Concordo com você
em quase tudo, mas quando falo
que me incomoda a luta pela visibilidade, é porque não tem uma
questão literária por trás. Aí é
chocante, parece que é uma geração que funciona para o mercado,
não para a literatura. Ruffato - Digo mais, quando você lê entrevistas dessas pessoas, é
chocante. Não há nenhum questionamento estético ou político. Carvalho - É chocante. Ruffato - Nisso concordamos. Folha - Estamos falando de escritores voltados para o mercado... Ruffato - Bem, isso todos estamos [risos]. Folha - As tiragens médias de romances no país são de 3.000 exemplares, para 170 milhões de brasileiros. Como vocês avaliam nosso
mercado editorial hoje? Como ele
evoluiu na década de 90? Carvalho - Estou chutando, mas
acho que o mercado cresceu muito. Tem escritores a dar com o
pau. Nos anos 80, um brasileiro
publicar um livro era um suor. Isso cresceu. Mas vende-se pouquíssimo. Eu, ao menos, sim. E isso não mudará. Não tenho ilusão
de virar best-seller. Hatoum - Acho que o mercado
cresceu, mas não sei se qualitativamente. Depois, a lógica da literatura não é a do mercado. Tem
muito a ver com a política educacional, com os problemas que estamos cansados de mencionar. Folha - Existem bons autores jovens brasileiros? Aquino - Vejo vários sinais de
uma literatura muito vigorosa. Carvalho - Teve uma época em
que imbuído de sentido cívico eu
disse a mim que teria que ajudar
algum gênio a ser publicado. A
Companhia das Letras tinha pilhas de manuscritos que ninguém
conseguia ler. Eu li por três dias.
Fiquei com uma depressão profunda. Pensava: vou começar a escrever como esses caras. Hatoum - O número de publicações cresceu de forma exponencial. Barthes dizia que a crise não
era do romance, mas do excesso
de livros. Disse nos anos 60. Folha - Dos autores brasileiros do
passado, quem está mais presente? Hatoum - O Brasil tem grandes
escritores. "Crônica de uma Casa
Assassinada" [de Lúcio Cardoso],
os contos de Aníbal Machado, o
"Amanuense Belmiro", do Ciro
dos Anjos, um romance machadiano finíssimo. Osman Lins, Clarice. "O Quinze", de Rachel de
Queiroz. Pedro Nava. Ruffato - Uma literatura que tem
um Machado de Assis já é uma literatura de peso. Hatoum - E Guimarães Rosa. Aquino - E o Graciliano Ramos. Folha - Considerações finais? Aquino - É sempre bom falar de
literatura. No futuro os leitores
formaremos uma seita. E para
breve, do jeito que as coisas vão
indo. Mas está ótimo, é com essa
seita que vamos falar. Hatoum - O [poeta espanhol]
Juan Ramon Jimenez diz que a literatura é arte da imensa minoria. Carvalho - No Brasil é mais difícil. A elite é ignorante e iletrada.
Ser um escritor no Brasil é um
pouco uma aberração.
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