São Paulo, Segunda-feira, 26 de Julho de 1999
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Novo dono da Manchete faturou menos do que disse


O empresário Amilcare Dallevo Jr. teve faturamento de R$ 79,5 milhões em 1998, e não de R$ 400 milhões, como declarou à imprensa na época em que adquiriu a TV
Ichiro Guerra/Folha Imagem
O ministro Pimenta da Veiga (à esq.) e Almicare Dallevo Jr. (centro)


MÔNICA BERGAMO
da Reportagem Local


O empresário Amilcare Dallevo Jr., dono da Rede TV!, ex-TV Manchete, faturou no ano passado cinco vezes menos do que declarou à imprensa na época em que comprou a emissora.
A Folha obteve documentos que mostram que o grupo de Dallevo, que ganhou notoriedade ao explorar telessorteios pelo 0900 e tem ainda uma produtora e uma empresa de software, faturou R$ 79,536 milhões.
Em maio, quando recebeu do governo as concessões da antiga TV Manchete, Dallevo anunciou um faturamento bem maior: R$ 400 milhões.
Com isso, o empresário pretendia sepultar as suspeitas de que não tinha condições financeiras para assumir o negócio.
Ao ganhar a TV, ele herdou as dívidas trabalhistas e previdenciárias da emissora, hoje calculadas em R$ 170 milhões. Além disso, afirmou que investiria R$ 100 milhões na contratação de artistas, jornalistas e na compra de novos equipamentos.
Já naquela época o Ministério Público Federal duvidou das declarações de Dallevo e passou a investigar se algum grupo estrangeiro estaria por trás do negócio.
O MP suspeitava que a Telefônica de Espanha ou um grupo americano ligado ao jogo estaria dando retaguarda financeira para a operação. A lei proíbe que estrangeiros sejam donos de meios de comunicação.
O empresário Dallevo nega a suspeita, mas admite que seu faturamento é menor do que o anunciado. "Na realidade, minhas empresas apenas movimentaram R$ 400 milhões. A receita própria, no final, ficou em R$ 79 milhões."
Ainda assim, ele diz que tem condições de arcar com o negócio sozinho. "Somos um grupo de alta rentabilidade." Feitas as contas, no entanto, o próprio Dallevo admite que tem, no mínimo, um grande desafio pela frente.
O saldo em caixa de suas empresas - ou seja, o que sobrou dos R$ 79 milhões depois que elas pagaram dívidas, impostos e salários - era de R$ 16 milhões no final do ano passado.
Este é o dinheiro que Dallevo tem para investir na emissora. O resto terá de vir da receita publicitária da própria Rede TV!
Por enquanto, o dinheiro dos anúncios não está cobrindo as despesas previstas com dívidas e investimentos. Para honrar os compromissos, a Rede TV! precisa faturar R$ 10,8 milhões por mês. Em junho, a emissora faturou R$ 2,8 milhões e, em julho, deve faturar a metade do necessário: R$ 5 milhões.
Dallevo diz que já gastou R$ 4 milhões dos R$ 16 milhões de seu bolso e pretende dobrar o faturamento da Rede TV! nos próximos meses para viabilizar o negócio. Para isso, espera quintuplicar a audiência média da emissora, hoje estacionada em um ponto.
"Minha estratégia é estrear, em setembro, programas dirigidos às classes A, B e C, um público que atrai anunciantes", diz.
"Milagres acontecem, mas ele tem pela frente uma missão quase impossível", diz Antonio Teles, vice-presidente da TV Bandeirantes. "Para uma televisão se instalar nesse nível competitivo, são necessários investimentos de pelo menos R$ 1 bilhão", diz.
Segundo Teles, aumentar a audiência de um para cinco pontos é um processo demorado, que pode levar até cinco anos.
A Band está trabalhando numa nova programação há mais de dois anos. Só agora está alcançando uma média de 4 pontos de audiência.
O gerente de comunicação da TV Record, Ricardo Frota, diz que a emissora levou três anos - de 1995 a 1997 - para chegar aos cinco pontos de audiência. Hoje a Record tem média de sete pontos. "É um processo lento, difícil", diz.
"Tudo é possível. Mas, para saltar de um ponto para cinco pontos de audiência em meses, a RedeTV! só tem uma saída: adotar uma política de cofres abertos. Roubar estrelas de todas as outras televisões e gastar, só em programação, R$ 300 milhões."
Até agora, a única contratação anunciada por Dallevo foi a de Andréa Faria, a ex-paquita "Sorvetão", para um programa infantil. As negociações com o jornalista Paulo Henrique Amorim estão suspensas. "Estou esperando até que as coisas fiquem mais definidas", diz Amorim.
O gerente da Record observa ainda que, mesmo conquistando audiência com estrelas de primeira linha, é muito difícil dobrar imediatamente a receita publicitária da emissora.
"O faturamento cresce num ritmo muito mais lento do que a audiência. É preciso conquistar credibilidade para atrair anunciantes de peso", diz.
Há um ano, o Banco Pactual preparou um estudo sobre a Manchete para investidores interessados na emissora. Concluiu que, para ser viável, a TV teria de ter um crescimento espetacular de audiência.
Segundo o estudo, a audiência deveria alcançar quatro pontos já em 1999, saltar para oito pontos no ano 2000 e assim por diante, até atingir os 20 pontos em 2003. Caso contrário, seria um negócio arriscado, por se tratar de uma empresa altamente endividada.
O ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, não quis receber a Folha para falar sobre os documentos que revelam os verdadeiros valores envolvidos na negociação da TV Manchete.
Sua assessoria informou que o ministro analisou o negócio de acordo com a lei, que exige apenas comprovação da boa situação financeira da empresa que vai explorar a concessão, e não de seu tamanho.
A Folha perguntou ainda se o ministro sabia que Dallevo faturou R$ 79.536 milhões no ano passado, e não R$ 400 milhões, como havia declarado. A assessoria respondeu que Pimenta não se pronunciaria sobre "informações constantes no processo que só as partes interessadas podem, se quiserem, revelar".


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