São Paulo, sábado, 26 de agosto de 2000


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"FRIEDRICH NIETZSCHE"
Mencken desvenda filósofo em livro pouco conhecido

OSCAR PILAGALLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Acusados por uns de reacionários elitistas e admirados por outros pela iconoclastia brilhante, H.L. Mencken (1880-1956) e Friedrich Nietzsche (1844-1900) parecem feitos um para o outro.
O escritor norte-americano não teria sido o cáustico crítico de sua sociedade sem a leitura do filósofo alemão, e este seria menos compreendido nos Estados Unidos sem a contribuição daquele.
As afinidades entre os dois, lembradas a propósito de dupla efeméride -os 100 anos da morte de Nietzsche, ontem, e os 120 anos do nascimento de Mencken, em setembro-, estão no livro "Philosophy of Friedrich Nietzsche", desconhecido por aqui.
O livro data de 1908, quando Mencken, aos 28 anos, um estudante de alemão, se aventurou pela obra de Nietzsche no original.
O autor e seu objeto eram relativamente desconhecidos: Men- cken acabara de ser contratado pelo "Evening Sun", jornal de Baltimore que se tornaria famoso, e Nietzsche só era (mal) lido na Europa. O livro, no entanto, vendeu bem. Pelo menos, a ponto de justificar uma edição no Reino Unido e uma terceira edição, corrigida e aumentada, em 1913. É essa a edição, intitulada apenas "Friedrich Nietzsche", que até hoje é republicada.
Apesar de Nietzsche não ter conhecido Mencken, é possível falar em afinidades porque, ao explicar as idéias do filósofo, o ensaísta acrescentou as suas próprias, o que permite constatar a proximidade entre elas. Fosse esse só um texto de divulgação, a liberdade de Mencken seria imperdoável.
O livro, no entanto, vai um pouco além disso e, se tem algum valor hoje, é exatamente o de ser uma mescla de duas das mais provocadoras mentes da época: ao tornar Nietzsche mais acessível, Mencken potencializa o teor polêmico do criador do conceito de super-homem (no Brasil traduzido como "além-do-homem").
O resumo que Mencken faz da opinião de Nietzsche sobre democracia resume mais sua própria perspectiva, como nota seu amigo, Huntington Cairns, na introdução de "The American Scene", uma compilação de textos.
"O argumento de Nietzsche sobre democracia", escreve Mencken, "como seu argumento contra a fraternidade, é baseado na tese de que ambas são instintivamente rejeitadas por todos os homens que trabalham para o progresso da raça humana". Ambos defendem um tipo de anarquia que criaria uma "aristocracia da eficiência".
A moralidade era outro alvo preferido dos dois. E como eles a pintavam? Como uma idéia que, nascida de um instinto verdadeiro, sobrevive depois que o instinto desaparece. "Nietzsche concluiu que a tendência universal de submissão a códigos morais é uma maldição para a raça humana, a maior causa de sua degeneração, ineficiência e infelicidade."
Mencken continua: "Toda moralidade é modificada pelo oportunismo. O que é pecado numa era torna-se virtude na seguinte". Daí o axioma: a moralidade é inimiga da verdade.
Ninguém precisa concordar. Ao contrário, dizia Nietzsche, "se um dia uma unanimidade endossar uma idéia minha, estarei convencido de ter cometido um erro".
O grande mérito do "Nietzsche" de Mencken é dar contornos mais precisos ao pensamento algo elusivo do filósofo. É uma leitura por demais pessoal, considerando-se tratar-se de um texto introdutório, mas Mencken não a faria de outra maneira, e é isso que torna única essa apresentação.
Num momento em que cresce o prestígio do "sábio de Baltimore" e do "anticristo", seria oportuna a tradução desse encontro dos dois.


Friedrich Nietzsche     Autor: Henry Louis Mencken Editora: Transaction Publishers Quanto: R$ 62,38 (304 págs) Onde encomendar: livraria Cultura (www.livcultura.com.br)




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