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análise
Obras refletem mundo feliz e engraçado
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Uma boa resposta para o comentário
"mas meu filho de
quatro anos também sabe fazer isso!" -ainda surpreendentemente comum diante
de obras como as de Calder,
Miró ou Picasso- pode ser,
sem hesitação, "sim". Mas
nós não sabemos mais. É
preciso muita maturidade
estética, reflexão e trabalho
construtivo para atingir a
gratuidade da ação infantil.
Muito ao contrário da crítica que Clement Greenberg
faz ao hedonismo de Calder,
à sua "arte desanuviada", crítica freqüente às obras de arte que cometam a grave falta
de expressar alegria, os móbiles de Calder, embora prazerosos e lúdicos, não são
meramente intuitivos.
O livro de Roberta Saraiva,
"Calder no Brasil", publicado
simultaneamente à exposição na Pinacoteca do Estado,
mostra esses dois lados da
interpretação sobre o trabalho do artista: o decorativo e
o revolucionário, a partir de
uma coletânea importante
de textos sobre a obra de Calder, incluindo ensaios de
Mario Pedrosa, Jean Paul-Sartre, Henrique Mindlin,
Fernando Sabino, Carlos
Drummond de Andrade e
um trecho da autobiografia
do próprio artista americano, além de textos da autora
que contextualizam e esclarecem os diferentes momentos de seu trabalho.
Hedonista e gratuito, aliás,
dois termos utilizados com
freqüência para diminuir o
valor e a função de uma obra
de arte, são acepções que
precisam ser revisitadas, o
que o livro também ensina.
Nem o prazer se antepõe
ao pensamento nem a gratuidade ao trabalho. Como
aponta Sartre, ao dizer que
"seus móbiles não significam
nada; eles são, e isso é tudo",
ou Mario Pedrosa, quando
diz que o trabalho de Calder
é como a "grande natureza,
que esbanja pólen e da qual
não se sabe se ela é o encadeamento cego das causas e
dos efeitos ou o desdobramento tímido, retardado e
perturbado de uma idéia", a
gratuidade talvez seja um
momento nobre do engenho
humano: um momento de
graça e da graça. Sem preço e
sem necessidade. Como percebeu a filha de dois anos de
Sabino, ao visitar o estúdio
desorganizado de Calder e
perguntar: "É aqui que mora
o Papai Noel?".
Sim, é aqui. É aqui, como
no mundo desnecessário da
fantasia, que se integram o
"mundano e o profundo, o
generoso e o cambiante móbile", onde o "espaço se torna
um lugar maleável" e passa a
ser matéria de escultura,
além e junto dos próprios
materiais formais: o arame, o
ferro, o bronze. É aqui que,
além do espaço, o tempo
também se torna pensamento espacial, quando vemos
como é cambiante e móvel o
objeto, como se põe em suspensão, "como uma vela tensa à espera dos grandes ventos marinhos".
Ao contrário do "obrigado"
da língua portuguesa, que estabelece uma relação de
compra e venda entre dois
sujeitos, em que um se coloca
numa relação de obrigação
em respeito ao outro, cabe
aqui muito mais o "gracias"
do espanhol. Entre a obra e o
espectador dos objetos de
Calder, não existe obrigação.
Há a idéia de um mundo feliz, engraçado e gratuito, que
se oferece ao espectador por
nada, para nada.
CALDER NO BRASIL
Organização: Roberta Saraiva
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 85 (288 págs.)
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