São Paulo, quinta-feira, 26 de agosto de 2010

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NINA HORTA

Fora da toca


Não sei, acho que é aquela volta às origens, querência de lambuzar a cara, comer para matar a fome


MARI HIRATA chegou com as cerejeiras em flor no parque do Carmo. Dessa vez, pasmem, quis nos mostrar uma fatia do que é comida de rua no Japão. Diz ela, no basilico.
com.br, que, com a crise econômica galopando nas canelas dos japoneses, eles sentiram necessidade de conforto e querem comida mais de alma, aquela comida junto de um fogareiro quente, cara a cara com o cozinheiro, com maionese, molhos, o chiar do fogo, o dinheiro vivo passando de mãos sobre as frituras.
E se você sabe escolher a barraquinha não existe coisa melhor do que essa comida acabada de fazer, pururuca, quente de pelar a boca.
Comida sem "penso", sem reflexão, para encher a barriga. Não sei, acho que é aquela eterna volta às origens, querência de lambuzar a cara, vontade de comer num prato que se joga fora, sem se preocupar com o correr das estações, com a beleza dos utensílios, comer para matar a fome, sobreviver.
Muitos já tiveram medo que a comida japonesa se descaracterizasse para sempre, pois toda comida muda, principalmente com as guerras, com a economia e mais e mais. Mas, na verdade, a maioria das tradições que pensamos milenares vem de um século passado, no máximo.
Os pratos populares do Japão, por exemplo, sofreram três influências. Comidas de tigela -da China como o ramen (lamen)- na sopa. Da Índia -arroz ao curry. E da Itália - espaguete com molho de tomate e almôndegas. E a soja dos japoneses era comprada na China e agora nas Américas.
E a comida japonesa terá influenciado o Ocidente? Pois a "nouvelle cuisine" é um tratado de "japonesice", (o japonês já muito influenciado pela China e pelo Ocidente). Nunca mais comemos um pratão de comida num restaurante e sim vários pratinhos. E de quem é a culpa? Da Mari Hirata? Não, dos chefs franceses que se inspiraram na comida japonesa.
Pois Mari montou com brilhantes bacias de inox , na cozinha da Betty Kövesi, uma tenda de takoyaki, que quer dizer polvo frito ou grelhado, que é um bolinho popular japonês que você pode comer na feira da Liberdade, em São Paulo. É uma comida de alma de 1935, vejam que a alma não vai tão longe quanto pensamos. O takoyaki pode ser achado em lojas chamadas issen-yoshoku, que se traduz grosseiramente por comida ocidental de um tostão.
E a panela... nada fácil de explicar. A Neide Rigo esteve na aula e documentou com receitas e fotos (www.come-se.blogspot.com). Mas a Mari não usou a panela, fez numa chapa quente que qualquer um de nós pode ter.
Para mim sobraram uns detalhes que ela faz enquanto a comida principal avança. Por exemplo, cortou um cará em fatias finas e misturou com esse molho de takoyaki industrializado. É só pedir na Liberdade. Assim, comer na hora, uma delícia.
E mais o jeito de tratar um polvo inteiro para amolecer. Primeiro põe no sal grosso. Depois dá uma boa lavada nela. (Prefere as fêmeas, são mais macias.) Enquanto isso, ferve água num panelão. Segura o polvo lavado pela cabeça e vai mergulhando na água fervente. Um segundo, tira, outro segundo, tira, o terceiro segundo, tira.
O polvo está com as pernas todas cacheadas, dobra-se em rolinhos. E daí vai levar uma surra com um nabo. Nabo enorme que serve como batedor. Plac, plac, plac. O polvo já sai exausto e Mari toda pimpona joga sobre ele nabo em tirinhas.
Até o ano que vem, Mari! Valeu.

ninahorta@uol.com.br

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