São Paulo, quinta-feira, 26 de setembro de 2002

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Entre a cruz e a espada

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Integrantes do Teatro da Vertigem, que completa dez anos em novembro; o grupo enfrenta dificuldades para montar as peças de sua Trilogia Bíblica



Aos 10 anos, Teatro da Vertigem tem remontagem de "Paraíso Perdido" vetada pelo cardeal-arcebispo de São Paulo


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma espécie de inferno astral persegue o Teatro da Vertigem na comemoração dos seus 10 anos, no próximo 5 de novembro. O grupo que imprimiu novas leituras para o teatro-lugar da representação na cena brasileira contemporânea encontra obstáculos para remontar a trilogia bíblica nos espaços originais.
O cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Cláudio Hummes, impediu a encenação de "O Paraíso Perdido" na igreja Santa Ifigênia, em Santa Cecília (região central), onde a peça cumpriu temporada em 92 sob protestos de tradicionalistas católicos.
"Igreja não é construída para encenar espetáculos teatrais e não há nenhuma razão grave para que eu abra uma exceção neste caso", diz dom Cláudio em resposta enviada ao grupo em julho.
Até o fechamento desta edição, a Folha não conseguiu ouvir o arcebispo sobre o assunto.
A Secretaria da Administração Penitenciária também reluta em ceder presídios desativados. Primeiro, recusou o do Hipódromo, no Brás (zona leste), onde o espetáculo "Apocalipse 1,11" estreou em 2000.
O local foi "transformado em unidade administrativa e, como tal, não tem condições de ser cedido para qualquer atividade que envolva movimentação de pessoas estranhas ao serviço", informa um ofício assinado há dois meses pela Coordenadoria da Saúde da secretaria.
A Folha entrou em contato com o secretário Nagashi Furukawa (Administração Penitenciária), por meio de sua assessoria, mas não obteve retorno.
O grupo tenta se encaixar nas atividades culturais que marcam, desde a semana passada, a abertura à visitação pública da Casa de Detenção Flamínio Fávero, no Complexo do Carandiru (zona norte). O local abriga instalação do artista plástico Siron Franco.
A Secretaria da Juventude, Cultura e Lazer do Estado, por meio do seu secretário adjunto, Felipe Soutello, que coordena os eventos no presídio, em princípio endossa a remontagem de "Apocalipse 1,11" no pavilhão 5, mas depende do aval do secretário Nagashi Furukawa, que mantém o gerenciamento do presídio.
Numa das passagens mais impactantes, o espetáculo faz citação explícita aos 111 presos mortos no pavilhão 9 durante rebelião e consequente invasão da Polícia Militar, episódio que completará 10 anos em 2 de outubro.
"Isso é um boicote, uma perseguição ao nosso trabalho? Concretamente não sei o que está acontecendo", afirma o encenador Antônio Araújo, 36.

"O Livro de Jó"
O terceiro espetáculo da trilogia, "O Livro de Jó" (1995) já tem garantida a utilização do mesmo hospital Humberto Primo, em Cerqueira César.
O espaço, desativado, pertence à Previ (Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil), cuja direção deu sinal verde.
Caso o Vertigem não consiga uma igreja ou um presídio, o projeto da trilogia bíblica "fica comprometido", afirma o produtor Sérgio Escamilla, 34.
"São dentro desses espaços que os espetáculos fazem sentido."
As dificuldades ocorrem no momento em que o grupo conquista aporte do Programa Municipal de Fomento ao Teatro (R$ 286 mil) e da BrasilTelecom (R$ 150 mil).



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