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GASTRONOMIA
Um restaurante sem fogão, acredite se quiser
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
Todo mundo que é muito ligado em comida só fala em
frescores, frescuras, peixe recém-pescado, frutas com a folha ainda
grudada no galho. Muitas vezes
nos esquecemos do outro lado da
lua. O da despensa. O das conservas.
Pois Amanda Hesser, crítica de
restaurantes americana, depois
de um lauto almoço em Barcelona, tira sua caderneta de endereços do bolso e resolve arriscar um
bar de tapas, o Quimet & Quimet.
A indicação vinha do seu quitandeiro predileto, e Amanda , como toda cronista, estava mais esfaimada por assuntos do que pela
comida propriamente dita. E este
bar era um assunto controverso.
Palpitante. Só servia coisas em lata.
Foi seguindo as informações e
chegou a uma Pizza Hut muito
bem iluminada de néon, banhada
de luz fluorescente e, logo junto,
um barzinho que quase estourava
de gente, calçada cheia. Entrou
com dificuldade e deu com a bancada onde trabalhavam Joaquin e
Joana Perez, herdeiros do minilugar, que já existe ali mesmo desde
1914.
Nas prateleiras, nas mesas, no
mármore das bancadas, latas, latinhas e latões de todos os feitios,
vidros grossos e finos, garrafas e
nenhum fogão à vista. Nada, absolutamente nada, era fresco. Lulas tenras e brancas, caviar, barriga de atum, alcachofras do tamanho de uma unha, presuntos, defumados, ovas, foie gras, anchovas dessalgadas, mariscos, caviar.
Os dois irmãos simplesmente
escolhem o que há de melhor no
mundo inteiro em matéria de
conservas e elaboram suas tapas,
como grandes chefs, misturando
os sabores com critério. A jornalista conseguiu se fazer entendida
apontando para os pratos das
pessoas sentadas em mesas e logo
experimentou um pedaço de terrine de cabeça de porco, que vinha num prato acompanhada por
um figo cristalizado e um marron,
e fatias grossas de cogumelos porcini, italianos. Tudo salpicado
com um vinagre de vinho branco,
um vinagre balsâmico de Modena
e água de flor de laranjeira. A terrine desmanchava na boca e os
acompanhamentos lhe iam às mil
maravilhas. E Joaquin e Joana, só
de abridor nas mãos, abridor de
lata, saca-rolhas, línguas de metal
a serem puxadas à comanda. Um
restaurante sem fogão, que bênção.
A crítica Amanda arrependeu-se totalmente do almoço escandaloso de dez pratos de degustação.
Teve desejos de um canapé de salmão defumado com mel trufado,
mas não aguentou mais, só arriscou a sobremesa. Uma torradinha
redonda com coalhada cremosa
por cima e chocolate belga. Uma
noz cristalizada e uns salpicos de
azeite de nozes e de brandy.
Voltou ao hotel bem triste e, ao
voar para casa, queria compartilhar com alguém sua descoberta,
alguém que também adorasse novidades. O primeiro amigo que
lhe veio à cabeça foi Jeffrey Steingarten, o homem que comia de
tudo.
Chegou e telefonou.
- Tenho uma novidade para
você.
- Conte logo.
- Só conto se você jurar que
não escreve sobre o assunto antes
de mim.
- Uhmm, prometo.
Cumpriu a promessa. Só que,
exagerado que é, se mandou imediatamente para Barcelona e visitou todos os bares possíveis de tapas. Passou pelo assunto como
um trator, extraiu o tutano, ficou
o maior "expert" em tapas, suas
origens, sua história. Comeu de
tudo, como de costume.
O único agradecimento que fez
à amiga foi publicar as receitas
que ela havia comido lá e que não
conseguira replicar em casa. Estão na edição de setembro da
"Vogue" americana (nas bancas).
Neste assunto, sou a mulher
mais feliz do mundo. Tenho um
amigo e concorrente de peso, que
vai a Paris e me surpreende com
os mais delicados pacotes que
chegam pelo correio. Não dá para
acreditar. Melhor que a Amazon.
Tem biscoitinhos cor-de-rosa de
Reims, sardinhas milesimés da
Albert Ménés, fígados de bacalhau defumados da Dinamarca,
caprichos dos deuses que são nozes "enrobés" em gianduia, calissons d'Aix, hóstias com amêndoas, caramelos levemente salgadinhos, marrons glacés... É a felicidade enlatada, melhor que o
Quimet & Quimet, um momento
de alegre lambança, em casa, sem
precisar me deslocar até Barcelona. Serviço:
- Quimet & Quimet, Poeta Cabanyes, 25 (tel. 00/xx/34/93-442-3142)
- Ser amiga do Charlô Whately
ninahort@uol.com.br
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