São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

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CRÍTICA

Sexo, amor e gritaria nas tardes dominicais

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Elas gritam . E gritam. Gritam quando entra a apresentadora. Gritam quando ela dança. Gritam quando ela rebola diante das câmeras. Gritam quando ouvem alguma insinuação maliciosa. Gritam quando entra um homem. Gritam quando ele sorri, quando ele fala.
Por que gritam tanto as moças e meninas que vão ao "Jogo da Vida"? O programa tem ocupado com audiência razoável uma faixa extensíssima do domingo na Bandeirantes, das 15h30 às 19h30. Em vez das variedades habituais, a atração comandada por Márcia Goldschmidt é monotemática: relacionamentos amorosos, em suas várias modalidades. Claro, há coisas imutáveis nos atuais programas de auditório: os comerciais que aparecem sem pausa nem transição; a dupla função de apresentador(a) e garoto(a)-propaganda; o fato de tornar-se a vitrine para uma espécie de submundo de celebridades diversas; o culto à personalidade do apresentador(a) e a palavra de ordem "Alegre-se ou morra". E, sim, também em o "Jogo da Vida" o tempo é esticado a ponto de deixar de fazer sentido.
Por que diabos, então, elas gritam daquela maneira, sempre esganiçada, quase sem trégua? Um programa de auditório pressupõe auditório, é claro. Até há uma expressão algo ofensiva para denominar o público que vai a esses programas, dado o grau de histeria que se espera do comportamento dessas pessoas. Ou seja, o auditório grita, via de regra desde sempre. A audiência participativa está na definição desse tipo de programa.
Mas, as meninas, moças e mulheres que vão ao "Jogo da Vida" gritam mais. A impressão é que elas gritam o tempo inteiro. Não é verdade, elas até que dão umas pausas para Márcia Goldschmidt falar, apresentar, apalpar, pontificar e anunciar. Mas é por um segundo apenas, depois elas recomeçam. A gritar.
Ah, então será que é por causa do assunto? Afinal, os diversos quadros do programa falam de sexo, amor e seu arsenal de vicissitudes: sedução, abandono, separação, reconciliação e traição. Todos assuntos titilantes, palpitantes -sobretudo para o público feminino. Algo proibidos, interditados e reservados. Mas, não, estão na TV, no centro da sala, em pleno domingo, desfilando diante da família. Em vez da reserva, o constrangimento de ver as intimidades dos outros desfilando na tela e as próprias refletidas no tubo. Então, aqui, a "alegria", a emoção pré-fabricada de 99% dos programas de auditório, não basta -e nem é bem-vinda, na verdade.
É preciso pontuar a transgressão programática, é preciso ensurdecer qualquer tentativa de se relacionar com esses assuntos de maneira pessoal, privada -e, eventualmente, diferente daquela que é encenada no programa. Controlar, em suma, a emergência de qualquer emoção verdadeira -ninguém na TV está interessado nela.
Portanto, há que chegar à beira do desvario. Daí os gritos incessantes, os uivos, os ululos.


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