São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2005

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ERUDITO

Intérprete controverso, pianista brasileiro lança dois CDs duplos em que conduz obras do mestre do barroco alemão

João Carlos Martins rege Bach com discrição

Divulgação
O pianista João Carlos Martins, que rege obras de Bach em CDs


IRINEU FRANCO PERPÉTUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um dos mais controversos intérpretes das obras de Bach ao teclado, João Carlos Martins agora se volta para a criação orquestral do mestre do barroco alemão. Ele inaugura sua carreira fonográfica como regente com dois CDs duplos: um com os concertos brandemburgueses, à frente da English Chamber Orchestra, e outro com as suítes para orquestra, dirigindo a Bachiana Chamber Orchestra.
Martins, 65, teve um começo flamejante como pianista: seu álbum com um concerto para piano do argentino Alberto Ginastera, acompanhado pela excelente Sinfônica de Boston, sob regência do mítico Erich Leinsdorf, é item de colecionador que mostra um fazer musical de altíssimo nível.
Veio, a seguir, uma série de problemas de saúde que o levaram a interromper temporariamente a carreira, restringir-se ao repertório para mão esquerda e, por fim, abandonar as atividades pianísticas, em 2002. Em seguida começou a reger, montando a Bachiana Chamber Orchestra com músicos de orquestras paulistanas.
Como intérprete de Bach, ele causou muita polêmica, pois atacava o piano como o grande instrumento de concerto consolidado no século 19, sem jamais tentar fazê-lo se parecer com os cravos que o compositor germânico tinha à sua disposição no século 18.
Assim, suas gravações tinham extremos de dinâmica, uso abundante dos pedais e uma visão especialmente instintiva da ornamentação. Resultado: enquanto uns, conquistados, viam nas liberdades poéticas de João Carlos Martins culminâncias dignas do pianista canadense Glenn Gould, outros, horrorizados, chocavam-se com as liberdades tomadas.
Com o passar dos anos as diferenças foram se aplainando. De um lado, na escola de interpretação "autêntica" de música barroca, o rigor e o cerebralismo dos intérpretes britânicos e flamengos foi cedendo passo a novos grupos italianos, como Il Giardino Armonico e Europa Galante.
De outra parte, intérpretes "modernos" descobriram que não podiam mais ignorar as conquistas e descobertas da escola "de época". Mesmo em instrumentos "modernos", não é mais aceitável tocar Bach com vibrato constante e tempos excessivamente lentos.
Como reflexo de tais tendências, o Bach orquestral de João Carlos Martins soa muito mais comportado do que suas interpretações pianísticas do compositor germânico. Bastante elucidativo, por exemplo, é comparar sua realização atual do "Concerto Brandemburguês n.5" com o mesmo registro da peça que ele fez em 1996, como pianista, à frente dos Solistas de Sofia.
Além da cristalina qualidade sonora dos discos atuais, salta aos ouvidos a diferença de equilíbrio provocada pela escolha, hoje, de um cravista discreto como Robert Aldwinckle, em oposição ao pianismo extrovertido de Martins em 1996. Mas não é só isso: os tempos da gravação com a English Chamber Orchestra são muito mais ágeis, e as escolhas de articulação e fraseado também convencem em maior medida.
Surpreende o resultado conseguido pela Bachiana Chamber Orchestra, que tem em Laércio Sinhorelli Diniz um "spalla" de inteligência e bom gosto, e tem a maioria das estantes integradas por musicistas que lideram ou já lideraram seus naipes nas sinfônicas de que são membros.
Na célebre "Ária" da suíte n.3, a linha bachiana é preservada sem apelos sentimentalóides ou ultra-romantizantes. E há trechos de tirar o fôlego, como o virtuosismo de Maurício Freire na "Badinerie" da segunda suíte, ou o brilho dos trompetes na abertura da terceira.
Em geral, trata-se de uma interpretação sóbria, na qual as novidades que eventualmente surgem na dinâmica ou ornamentação constituem antes bem-vindas surpresas do que sustos a derrubar o ouvinte da cadeira.


João Carlos Martin's Bach: Brandenburg Concertos
   
João Carlos Martin's Bach: Orchestral Suítes 1-4
   
Gravadora: Tomato Records/ Atração Fonográfica Quanto: R$ 35 (cada CD duplo, em média)



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