São Paulo, sexta, 26 de setembro de 1997.



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Pulhas foram notáveis

da Equipe de Articulistas

Para as novas gerações, Kirk Douglas, 80, talvez não seja mais do que o pai do grande coadjuvante tornado megaestrela Michael Douglas ("Instinto Selvagem"). Há 40 anos, contudo, Kirk carregava o furinho no queixo talvez mais célebre do Ocidente.
Ao contrário do filho, Kirk jamais se contentou em buscar papéis que o identificassem com o homem americano médio. Não há nenhum exagero em sua declaração de que fez carreira "interpretando filhos da puta".
Não foi sempre assim, certo. Basta lembrá-lo nos dois filmes que estrelou e produziu sob a batuta de Stanley Kubrick, "Glória Feita de Sangue" (1957) e "Spartacus" (1960), em que interpreta, respectivamente, um militar honrado e o gladiador rebelado contra a escravidão no Império Romano.
Houve ainda seu Van Gogh para Minelli em "Sede de Viver" (1956) e, num exemplo mais recente, o pai que salva o filho em "A Fúria" (1978), de Brian De Palma.
Mas Kirk Douglas superou-se mesmo ao personificar acabados canalhas. Em "O Campeão" (1949), seu boxeador Midge Kelly era um herói nos ringues e um escroque fora deles. Valeu-lhe a primeira das três indicações ao Oscar, prêmio que só recebeu em 96, ainda assim de forma honorária.
Não parece demais creditar a demora ao tradicional conservadorismo da Academia. Poucos ousaram interpretar pulhas com tamanha convicção quanto Douglas. Um deles, aliás, golpeando o próprio coração de Hollywood.
Como o produtor Jonathan Shields de "Assim Estava Escrito" (1952), de Minnelli, Kirk parecia cuspir no prato em que comia, retratando a escória na indústria.
A única regra é o sucesso a qualquer preço, numa dimensão que torna o megaespeculador Gordon Gekko criado por seu filho Michael em "Wall Street" (1987) um aliado de dom Paulo Evaristo. Para a composição de Shields, Kirk já se graduara em "A Montanha dos Sete Abutres" (1951), de Billy Wilder. Seu Charles Tatum é o paradigma do repórter inescrupuloso, capaz de sacrificar uma vida em troca de uma boa história.
Nem mesmo buscando heróis em Homero (Ulisses) e Jules Verne (Ned Land) Douglas se libertaria da sombra de Tatum e Shields. Na sua galeria de tipos inesquecíveis, foram eles que vieram para ficar. (AMIR LABAKI)


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