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CINEMA ESTRÉIA
Hamlet
Adaptação de Kenneth Branagh para texto
de Shakespeare chega às telas brasileiras em versão reduzida, mas, ainda assim, bela
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
Em primeiro lugar, uma distinção. Nem mesmo aquele "Hamlet" de mais de quatro horas, que
os brasileiros só poderão assistir
em vídeo, segundo a distribuidora, era "fiel" ao original de William Shakespeare. Tinha cortes e,
sobretudo, imensas adaptações.
Não existe propriamente um
"Hamlet" original, até porque
Shakespeare não escrevia assim.
Há cenas em "Hamlet", o texto,
que teriam sido acrescentadas em
montagens posteriores pelo próprio Shakespeare (caso da "guerra
dos teatros", para dar um de vários
exemplos).
Por outro lado, Shakespeare teria retirado outras tantas cenas e
versos. A peça seguia a dinâmica
própria do teatro e de seu público
(e da censura, não é demais lembrar), e o texto que sobreviveu seria antes uma somatória do que
uma obra integral, idealizada como tal.
O problema deste "Hamlet" de
duas horas, de Kenneth Branagh,
não é de fidelidade. É de edição, e
edição cinematográfica.
Os cortes feitos para compor a
versão menor, realizados pelo próprio diretor/protagonista, levaram
a pelo menos um grande desrespeito com seu filme: a cena de
Charlton Heston como o Primeiro
Ator, quando ele narra a morte de
Príamo, em texto que Shakespeare
provavelmente adaptou de "Eneida", de Virgílio (e que possivelmente ele mesmo interpretava,
nas montagens de sua companhia).
Críticos ingleses e norte-americanos, quando do lançamento
deste "Hamlet", diziam que o velho ator de "Ben Hur" (e de muito
mais, inclusive adaptações shakespearianas para o cinema) "roubava" o filme. Desde sempre foi a cena que mais comoveu este crítico
em "Hamlet", inclusive no teatro.
Com Charlton Heston, tomado
de uma autoridade "anciã" que
combinava inteiramente com
aquela descrita em Príamo -o velho rei de Tróia que cai morto-, a
cena atingia ares verdadeiramente
trágicos, em seus poucos minutos.
É o personagem que, de tão perturbado, desvairado pelo que interpreta, leva o príncipe Hamlet a
ofender a si próprio, por não reagir, por não agir -sendo que tem
uma tragédia tão maior diante de
si, que é o assassinato de seu pai.
Kenneth Branagh cortou Charlton Heston, que só volta, por segundos, em outra cena, menor. O
ator-diretor cortou muito mais,
com resultados também empobrecedores para o filme.
Ao eliminar o solilóquio do rei
Cláudio, quando ele busca penitenciar-se diante de Deus, mas não
consegue, retira o segundo maior
personagem de "Hamlet".
Ao eliminar o deslumbramento
de Horácio diante da aparição do
Fantasma e o questionamento
posterior que Horácio faz de seu
racionalismo à Wittenberg, enfraquece todo o filme, até mesmo o
"ser ou não ser" de Hamlet.
Os cortes menores, a começar do
Reinaldo de Gérard Depardieu,
em cena sem relação com a trama e
sempre a primeira a cair, não chegam a ser díspares do que é costumeiro nas produções teatrais.
O que resta? Muito, ainda que estranhamente próximo do "Hamlet" autodescrito como de "sessão
da tarde", em cartaz no teatro, em
São Paulo. "Hamlet" passa a viver
quase exclusivamente do vigor e
da violência de Branagh, conhecida desde sua bruta e grosseira interpretação de "Henrique 5º".
A cena em que manda Ofélia, a
sua paixão, para o "convento"
(com duplo sentido, também de
bordel) é de uma crueldade assombrosa, quanto mais por estar
mesclada de amor.
Hamlet agride Ofélia por acreditar (o filme faz tal opção) que ela
está traindo seu amor em fidelidade ao pai. A juvenil Kate Winslet,
apaixonantemente quebradiça, vive ali seu primeiro e maior contato
com a insanidade. Sua Ofélia chega
a sofrer mais por Hamlet do que
pela morte do pai.
O mesmo vale para a cena do
quarto da rainha Gertrudes, quando Branagh leva Julie Christie, que
faz sua mãe, ao desespero.
O "Hamlet" que chega ao Brasil
é certamente um filme pior do que
o outro, mas ainda um belo filme.
Filme: Hamlet
Produção: Inglaterra, 1996
Direção: Kenneth Branagh
Com: Kenneth Branagh, Julie Christie, Billy
Cristal, Gérard Depardieu, Charlton Heston,
Robin Williams, Kate Winslet, Derek Jacobi,
Jack Lemmon
Quando: a partir de hoje, no cine Belas
Artes - sala Villa-Lobos
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