QUE TAL METER ALGUNS ANDROIDES E MUTANTES ONDE NÃO FORAM CHAMADOS?

MARCELINO FREIRE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Vão se revirar nos túmulos os imortais. Os adoradores de Machado de Assis.
Seu romance "Dom Casmurro" (1899) acaba de ser invadido por objetos voadores não identificados. A Capitu é de outro planeta. Veio em uma espaçonave.
Ave! Quem diria? Finalmente está aí a explicação.
Para aqueles seus olhos de ressaca. Tão oblíquos e dissimulados. Eta danado!
E sabe o que fizeram com o conto "O Alienista" (1882)?
Virou "O Alienígena", digamos assim. Ou até melhor dizendo: "O Alienado".
Se alguns livros são obrigatórios e chatos, caro leitor, que tal meter alguns androides e mutantes onde não foram chamados?
Foi o que mandou fazer esta série "Clássicos Fantásticos". A editora Lua de Papel convidou quatro roteiristas de TV para imaginar, por exemplo, uma "Escrava Isaura" (1875) às voltas com um Leôncio Vampiro. Muito mais divertido!
E aquela "Senhora" (1875) enfadonha de José de Alencar? Virou feiticeira. Melhor receita não há. Tudo no mesmo caldeirão. Amor -e sucesso- garantidos.
A ideia veio de fora. Lá, entre outras, a obra-prima de Jane Austen, "Orgulho e Preconceito" (1813), ganhou a companhia de zumbis.
Nada contra. Ora, ora. O jovem começa lendo "Crepúsculo", de Stephenie Meyer.
Daí para "Memórias Póstumas de Brás Cubas" (1881) é um salto.
Eis, pois, a esperança dessa simpática e bem-intencionada coleção. Vade retro, não. Aleluia!
Não posso dizer que os livros não sejam engraçados.
"Isaura" é, de longe, a versão mais hilária. Não posso dizer que os escritores convidados não têm o traquejo, que não se divertiram, que não levaram a proposta a sério. A piada pode render frutos. Sobretudo, na conta bancária.
Qual o problema?
Encaretei? Será que, de repente, virei um leitor do século 19? Putz! Longe disso. Entenda, amigo, amiga, o meu cansaço.

MEMÓRIAS
É que bateu saudades enquanto eu "relia" (às avessas) essas histórias que fizeram a minha cabeça, tomaram conta de minha alma.
Adolescente, faz tempo.
Lembro: no escuro do meu quarto, ainda no Recife, com medo de que o alienista doutor Simão Bacamarte me fizesse de cobaia, morador de seu hospício.
Amarelava só de pensar se era capaz de existir gente tão fria como o Leôncio criatura criada, em 1875, por Bernardo Guimarães. E ressuscitada na TV, no ano de 1977, em assustadora interpretação do ator Rubens de Falco (1931-2008). De arrepiar!
Sei não... Bruxo por bruxo, ainda prefiro o Bruxo do Cosme Velho original, atual. E sempre à mão.