São Paulo, segunda, 26 de outubro de 1998

Texto Anterior | Índice

"O ANO APÓS DAYTON"
Filme traz melancolia pós-guerra na Bósnia

CARLOS ADRIANO
especial para a Folha

A Guerra do Golfo (1991) transmitida pela televisão foi um marco, não tanto por sua competência ou eficácia, mas por alterar certos pressupostos sobre o registro da realidade imediata. O documentário repensou então como filmar tais temas.
"O Ano Após Dayton" dá alguns exemplos. Não centra fogo no Oriente Médio. Aponta a mira de sua lente para um conflito bélico menos hollywoodiano porém mais horrendo: a guerra da Bósnia.
O filme retrata o primeiro ano de paz na Bósnia, graças ao Acordo de Dayton (1996), que encerrou três anos de guerra na região.
Entre destroços e covas, pessoas da Federação Muçulmano-croata e da República Sérvia (deslocadas e excluídas de casa e pátria) tentam voltar a viver.
Em vez dos comprimidos minutos de notícia (ininterruptos ou dispersos nos intervalos comerciais), o filme tem três horas e vinte minutos de duração em longos planos-sequência (divididos em duas categorias).
²

Gente comum Uma delas exibe entrevistas com gente comum falando direto para a câmera; outra mostra sua vida em contínuos movimentos intransitivos (aparentemente sem alvo).
O filme oscila, eloquentemente, entre momentos verbais e visuais. Podemos seguir a caminhada da mulher nos escombros, a litania circular do muezim.
Os discursos verbais testemunham a situação e fazem contraponto a uma composição privilegiada pelo filme: a câmera que segue alguém (carregando um carrinho de tijolos ou caminhando numa carroça).
Apesar do desespero melancólico das falas (e das imagens), essa relação sugere certa expectativa teleológica no futuro, pois a estrada é promessa de um possível processo redentor.
Sem os arroubos engajados de Susan Sontag, Henry Lévy ou Godard na questão Sarajevo, e também sem a elegância impertinente de Marcel Ophuls em seus "documonumentais", o diretor austríaco Nikolaus Geyrhalter põe seu filme à serviço de uma causa, com precisa parcimônia partidária.
Frente a uma realidade insuportável, o documentário parece às vezes preferir adotar as regras cinematográficas da transparência e uma postura respeitosa -ainda que se permita algumas discretas ironias.
²

Quando: amanhã, às 12h, no Cinearte


Texto Anterior | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.