|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Collor se fez em função de jornalistas, não de patrões"
da Reportagem Local
Leia abaixo trechos da entrevista que o jornalista Mario Sergio
Conti concedeu à Folha na quarta-feira, na sede da editora Companhia das Letras, em São Paulo.
Folha - Lendo o livro, se tem a
impressão de que você fez com
a imprensa o que ela fez com
Fernando Collor durante o período que culminou no processo
de impeachment. Ou seja, uma
espécie de devassa. O livro trata
mais da imprensa do que do governo Collor, embora tenha revelações sobre este também.
Mario Sergio Conti - É isso
mesmo. O livro é, em primeiro lugar, sobre a imprensa e, em segundo, sobre o poder, sobre as relações do poder com essa outra
instância de poder que é a imprensa. Em terceiro lugar, é sobre
o Collor, que funciona quase como um pretexto.
Escolhi o período por ter participado da sua cobertura e porque
a imprensa nunca foi tratada no
Brasil da maneira como mereceria. Há livros excelentes a respeito, o do Claudio Abramo ("A Regra do Jogo") e o do Samuel Wainer ("Minha Razão de Viver"), e
eu me inspirei neles.
Mas em relação aos diversos níveis de apuração e de decisão, do
patronato aos repórteres e fotógrafos, não há praticamente nada
publicado. Parece que a imprensa
brasileira não tem história. Não
fiz a história da imprensa, mas pego os últimos 30, 40 anos para
contá-la por dentro.
Folha - O objeto do livro é
muito maior do que o período
Collor. Era essa a idéia inicial?
Conti - Na cobertura do Collor,
os órgãos de imprensa agiram segundo a sua formação, a sua história. Se a Folha é boa em polêmica, em puxar briga, no tom agressivo, eu quis investigar de onde
vem isso. Da mesma forma o "Estadão". Se ele é respeitado pelos
editoriais, pela sua palavra, por
refletir um certo anseio da burguesia e da classe média paulistana, é preciso investigar o porquê.
Folha - Você diz na biografia
que se inspirou fundamentalmente em "The Powers That
Be", de David Halberstam, que
conta a história de quatro empresas jornalísticas norte-americanas até o caso Watergate.
Conti - Ele pega a "Time", a
CBS, o "Los Angeles Times" e o
"The New York Times" desde o
começo até o Watergate. Meu livro é nitidamente inspirado nisso,
mas não é uma transposição automática, contempla particularidades da história brasileira.
Folha - As biografias que o livro traça resultam às vezes simpáticas aos retratados, embora
o conjunto seja avassalador. O
livro mostra que a imbricação
da imprensa com o poder é
maior do que se imagina. É um
raio X do patronato brasileiro?
Conti - Concordo que o livro seja simpático à imprensa sem ser
condescendente. Todo leitor de
Antonio Candido deve lembrar
quando ele diz, na abertura da
"Formação da Literatura Brasileira", que, sem abandonar o espírito crítico, é simpático ao assunto;
sem ir longe na comparação, eu
também me arrogo ao dizer que,
sem abandonar o espírito crítico,
sou simpático à imprensa.
É o meu meio, gosto e vivo disso. É importante, além disso, que
se tenha no país uma imprensa livre, atuante, dinâmica. Isso tem
os seus outros lados: uma tremenda competição entre as empresas.
E a imprensa está imbricada com
o poder. Não é uma relação umbilical, é uma simbiose.
Eu quis mostrar como isso se dá
na prática. Não sei se é uma devassa da imprensa, talvez não seja
essa a melhor palavra, mas é uma
tentativa de raio X do seu modo
de operar. A intenção não foi hostilizar, foi mostrar a vida real, como isso funciona na prática.
Folha - Mas você não trata os
meios de comunicação em bloco, procura as idiossincrasias, as
especificidades. Quando começou, o projeto era esse?
Conti - O livro nasceu da minha
curiosidade de entender os meios
de comunicação. Por exemplo,
por que certos meios que tinham
maior vocação para fazer a exposição dos escândalos envolvendo
Collor não o fizeram?
A Folha tinha tudo para fazer isso. Foi a primeira a apurar, ainda
durante a campanha eleitoral, os
escândalos de Collor em Alagoas.
Fez uma série de reportagens assinadas por Elvira Lobato, Clóvis
Rossi. No entanto, perdeu o pé.
Por que perdeu?
Eu não tinha respostas a essas
perguntas, acho que o livro reúne
elementos para se traçar o perfil e
o comportamento de cada órgão
de imprensa, durante, mas também antes de Collor.
Folha - O livro tem dois movimentos claros, sinalizados nas
duas partes em que se divide. O
primeiro, de incorporação de
Collor pela chamada burguesia,
os setores dominantes da sociedade; o segundo, de expulsão
de Collor por aqueles que o haviam acolhido. Embora você não
faça a análise política desse processo de maneira explícita, ela
está pressuposta. Fica claro que
Collor não caiu por causa da corrupção, apenas.
Conti - Concordo. O livro procura mostrar como um sujeito de
um Estado afastado, periférico,
desconhecido, consegue ascender
ao plano nacional e galvanizar os
eleitores. Há um senso comum
que diz "a Globo fez o Collor".
Não foi assim. O Roberto Marinho tinha outros candidatos, resolveu apoiar o Collor um pouco a
contragosto, quando ele tinha
43% das preferências. O Collor se
fez muito em função do que conseguiu com os jornalistas, não
com os patrões. A entrevista para
o "Jornal do Brasil", o "Globo Repórter" e as páginas amarelas da
"Veja" em 87, a capa da "Veja" em
88. Tudo foi responsabilidade dos
profissionais, não adianta colocar
a culpa no patrão.
Fomos nós que fizemos aquilo.
Por identidade política ou por
inexperiência. Isso mostra o crescimento do Collor e como a burguesia foi atrás dele sabendo em
parte quem ele era. Depois, no governo, é evidente que ele não caiu
só por corrupção. Foi um movimento muito mais amplo. A hostilidade dele em relação ao empresariado, o plano delirante do
PC de ter uma TV que se contrapusesse à Globo e uma companhia de aviação que fizesse frente
à Varig, isso tudo tem de ser levado em conta. Não vamos negar a
corrupção, obviamente, mas a
queda só se consuma depois das
manifestações populares.
Folha - A capa do "Caçador
de Marajás", publicada pela
"Veja" em 88, ficou com má fama depois de tudo o que aconteceu na "Era Collor". Você sugere que a escolha da capa foi
quase casual, que havia outra
reportagem para ser capa e que
acabou pesando em favor de
Collor uma boa foto que havia
sido feita por Ubirajara Dettmar. Pode soar como desculpa a
posteriori.
Conti - Aquela capa estava correta. Você tem um governador de
Alagoas que está combatendo o
nepotismo, a ineficiência da máquina pública, o apadrinhamento, e que está atacando o governo
central. Esse sujeito é bem-apessoado, articulado, fotogênico, carismático. Isso é notícia. Uma das
funções da imprensa é revelar
personagens novos.
Não acho correto atribuir a ela
benefício eleitoral ao Collor. A reportagem é de março de 88, a eleição foi no fim de 89. Isso seria estigmatizar a grande imprensa por
razões erradas. Pode-se e deve-se
atacá-la, mas com inteligência.
Era melhor dar a capa ao bonitão com aquela foto do que ao
Ulysses Guimarães, conhecidíssimo, manobrando pelo parlamentarismo, um tema chatíssimo. Foi
uma opção editorial.
Folha - Depois de ter feito a
capa com Pedro Collor denunciando o esquema PC e outra
com Renan Calheiros dizendo
que Collor sabia de tudo desde
o início, a "Veja" publicou uma
capa perguntando "No que vai
dar a crise?", colocando, em forma de teste, as alternativas seguintes: "Impeachment; renúncia; parlamentarismo já; Collor
continua, forte; Collor continua,
fraco", esta última assinalada.
Você atribui a responsabilidade da capa a uma decisão pessoal sua, mas a impressão é de
que houve um recuo, fruto da
pressão sobre Roberto Civita.
Conti - O Roberto estava viajando. A decisão foi tomada por
mim, e eu errei na avaliação. Imaginei: o Collor está se recuperando, está se apoiando na paralisia
da apuração e acho que ele vai até
o fim, enfraquecido. Errei.
Folha - Qual veículo de comunicação se saiu melhor no período, em termos jornalísticos?
Conti - Não é um campeonato.
Isso empobrece a discussão. A capa do Pedro Collor foi fundamental. Não acho que ela teria saído se
não houvesse a história da "Veja",
uma cultura acumulada desde as
reportagens de 69 sobre o regime
militar que eu recupero no livro.
Não acho também que seria
possível aquela capa sem o que a
Folha fez antes, a apuração em
Alagoas durante a campanha, a
reação ao processo que o presidente moveu contra jornalistas da
Folha, a carta aberta ao Collor escrita pelo Otavio (Frias Filho).
Tem também as reportagens do
"Jornal do Brasil" sobre a LBA,
envolvendo a Rosane (Collor). Isso vai criando uma acumulação, e
os diversos órgãos vão reagindo
aos fatos à sua maneira. Não se
deve subestimar o trabalho dos
repórteres, aqueles que descobrem as coisas e conseguem publicá-las porque o órgão em que
trabalham é de certa maneira.
Folha - O que mudou na imprensa depois de Collor?
Conti - Estruturalmente não
mudou nada. Continuam as mesmas empresas e basicamente os
mesmos profissionais à frente delas. Mas é mais difícil que um
aventureiro possa ser tratado hoje
como Collor foi tratado na campanha, com certa ligeireza. A imprensa está mais atenta.
Folha - E a imbricação dos
meios de comunicação com o
poder, mudou alguma coisa?
Conti - Estruturalmente permanece a mesma coisa. É claro que
há mudanças. Hoje quem está na
direção de jornalismo da Rede
Globo é o Evandro (Carlos de Andrade), não é mais o Alberico
(Souza Cruz). Quem está na direção são Roberto Irineu e José Roberto, o doutor Roberto Marinho
está se afastando. Isso provoca alguma modificação. Mas não são
mudanças estruturais.
Folha - Você incluiu denúncias
de corrupção envolvendo jornalistas. Mário Alberto de Almeida, atual diretor de redação da
"Gazeta Mercantil", é acusado
de ter oferecido, em 89, 250 mil
dólares ao então diretor de redação de "O Estado de S. Paulo",
Augusto Nunes, em troca de reportagens favoráveis a Íris Rezende, ministro da Agricultura
de Sarney, que queria se cacifar
como candidato do PMDB para
a eleição presidencial.
Conti - Essa história em parte
não é nova. Está relatada numa tese universitária escrita por Liege
Socorro Albuquerque Peres, que
entrevistou o Mino (Carta), que se
referiu ao episódio sem citar nomes. Eu sabia os nomes.
Folha - Mas no seu livro, logo
depois de relatar o caso, você
diz que a "Veja" publicou duas
reportagens a respeito de Íris
Rezende, uma em fevereiro de
89 e outra em agosto de 90,
quando era candidato ao governo de Goiás. Nas duas reportagens, a expressão "o ministro
das boas notícias", que, segundo você diz, deveria constar como título obrigatório da suposta reportagem recusada por Nunes, aparece no meio do texto,
com pequenas variações. É uma
coincidência?
Conti - Não há nenhuma insinuação, nenhuma conclusão. Eu
não consegui apurar. Apenas registrei que a expressão que Mário
de Almeida exigia está em "Veja".
Folha - O diretor da "Veja" na
época era José Roberto Guzzo.
Você está sugerindo que houve
corrupção na revista?
Conti - Estou apenas registrando o fato. Não gostaria que o livro
fosse lido em função desses casos,
embora sejam significativos.
Folha - No epílogo, você aborda a morte de PC e parece reiterar a versão do crime passional
seguido de suicídio. A "Veja"
comprou a versão na época. Você ainda acredita nela?
Conti - A nossa primeira reportagem não era taxativa em favor
do crime passional. Depois demos uma capa dizendo "Caso encerrado", quando obtivemos o
laudo com exclusividade.
Acreditei que o laudo estava
bem fundamentado e se casava
com a hipótese do crime passional. Posteriormente viu-se que o
laudo era contestável.
No livro eu quis retomar a tese
do crime passional, que ficou esquecida. Mas o caso não está encerrado e devemos ir com calma.
Texto Anterior: Trechos Próximo Texto: Vida Bandida - Voltaire de Souza: Pizza e pó Índice
|