São Paulo, Sexta-feira, 26 de Novembro de 1999


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Um Altman doce e musical

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

"A Fortuna de Cookie" pode não ser o melhor filme de Robert Altman, mas certamente é o mais prazeroso.
É preciso ter um mau humor empedernido para sair dele sem um sorriso de alegria ou, no mínimo, de satisfação.
Depois de destilar seu sarcasmo contra a estupidez americana em filmes como "M.A.S.H." e "Nashville", depois de radiografar impiedosamente Hollywood em "O Jogador", Altman parece ter começado a gostar das pessoas -ou, pelo menos, de algumas delas, seus personagens.
A mudança começou em "Short Cuts", ficou mais clara em "Kansas City" e agora atinge seu ponto máximo em "A Fortuna de Cookie", em que todos os personagens, mesmo os mais idiotas, são vistos com uma certa doçura e cumplicidade.
A história se passa numa cidadezinha do Mississippi, e diz respeito a uma velhinha viúva e solitária, apelidada de Cookie (Patricia Neal), que se mata serenamente por não suportar a saudade do marido.
Uma série de mal-entendidos faz com que o melhor amigo de Cookie, Willis (Charles S. Dutton), um negro bonachão chegado a um uísque, seja apontado como suspeito de tê-la assassinado para ficar com sua "fortuna".
A suspeita é aumentada graças a uma confusão armada na "cena do crime" pelas sobrinhas de Cookie, Camille Dixon (Glenn Close) e Cora Duvall (Julianne Moore, perfeita, como sempre).
A histérica e pretensiosa Camille Dixon, que dirige na paróquia local uma versão expurgada da peça "Salomé", de Oscar Wilde, quer esconder o suicídio porque em sua família "ninguém se mata".
A passiva Cora, uma alma simples no limite da debilidade mental, serve-lhe de protagonista em "Salomé" e de coadjuvante na ocultação do suicídio.
Mas todos os outros moradores de Holly Springs parecem convencidos da inocência de Willis e acabam representando, também eles, uma farsa diante do investigador que vem da cidade grande para cuidar do caso.
Eles formam uma galeria deliciosa, a começar da linda e rebelde Emma Duvall (Liv Tyler), filha de Cora, passando pelo delegado Lester Boyle (Ned Beatty), pelo desastrado policial Jason Brown (Chris O'Donnell), pelo peixeiro Manny (Lyle Lovett) etc.
Com esses personagens, Altman cria um mundo em que diversos níveis de jogo e de representação se sobrepõem, e no qual os códigos do afeto subvertem os códigos da convenção.
O convite ao jogo já começa no título, "Cookie's Fortune", que faz um trocadilho com "fortune cookie", aquele biscoito chinês que traz dentro um papelzinho com uma previsão da sorte.
Tudo parece ligeiramente fora do lugar, mas harmonizado pela música (um blues sublime) que comanda o ritmo da narração.
É como se Altman nos instalasse, durante um par de horas, naquilo que poderia ser a verdadeira vida, não fôssemos nós tão estúpidos e sem imaginação.


Avaliação:     

Filme: A Fortuna de Cookie Título original: Cookie's Fortune Produção: EUA, 1999 Diretor: Robert Altman Com: Glenn Close, Liv Tyler, Charles S. Dutton, Julianne Moore Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco 1

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