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Um Altman doce e musical
JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
"A Fortuna de Cookie" pode
não ser o melhor filme de Robert
Altman, mas certamente é o mais
prazeroso.
É preciso ter um mau humor
empedernido para sair dele sem
um sorriso de alegria ou, no mínimo, de satisfação.
Depois de destilar seu sarcasmo
contra a estupidez americana em
filmes como "M.A.S.H." e "Nashville", depois de radiografar impiedosamente Hollywood em "O
Jogador", Altman parece ter começado a gostar das pessoas
-ou, pelo menos, de algumas delas, seus personagens.
A mudança começou em "Short
Cuts", ficou mais clara em "Kansas City" e agora atinge seu ponto
máximo em "A Fortuna de Cookie", em que todos os personagens, mesmo os mais idiotas, são
vistos com uma certa doçura e
cumplicidade.
A história se passa numa cidadezinha do Mississippi, e diz respeito a uma velhinha viúva e solitária, apelidada de Cookie (Patricia Neal), que se mata serenamente por não suportar a saudade do
marido.
Uma série de mal-entendidos
faz com que o melhor amigo de
Cookie, Willis (Charles S. Dutton), um negro bonachão chegado a um uísque, seja apontado como suspeito de tê-la assassinado
para ficar com sua "fortuna".
A suspeita é aumentada graças a
uma confusão armada na "cena
do crime" pelas sobrinhas de
Cookie, Camille Dixon (Glenn
Close) e Cora Duvall (Julianne
Moore, perfeita, como sempre).
A histérica e pretensiosa Camille Dixon, que dirige na paróquia
local uma versão expurgada da
peça "Salomé", de Oscar Wilde,
quer esconder o suicídio porque
em sua família "ninguém se mata".
A passiva Cora, uma alma simples no limite da debilidade mental, serve-lhe de protagonista em
"Salomé" e de coadjuvante na
ocultação do suicídio.
Mas todos os outros moradores
de Holly Springs parecem convencidos da inocência de Willis e
acabam representando, também
eles, uma farsa diante do investigador que vem da cidade grande
para cuidar do caso.
Eles formam uma galeria deliciosa, a começar da linda e rebelde Emma Duvall (Liv Tyler), filha
de Cora, passando pelo delegado
Lester Boyle (Ned Beatty), pelo
desastrado policial Jason Brown
(Chris O'Donnell), pelo peixeiro
Manny (Lyle Lovett) etc.
Com esses personagens, Altman cria um mundo em que diversos níveis de jogo e de representação se sobrepõem, e no qual
os códigos do afeto subvertem os
códigos da convenção.
O convite ao jogo já começa no
título, "Cookie's Fortune", que faz
um trocadilho com "fortune cookie", aquele biscoito chinês que
traz dentro um papelzinho com
uma previsão da sorte.
Tudo parece ligeiramente fora
do lugar, mas harmonizado pela
música (um blues sublime) que
comanda o ritmo da narração.
É como se Altman nos instalasse, durante um par de horas, naquilo que poderia ser a verdadeira
vida, não fôssemos nós tão estúpidos e sem imaginação.
Avaliação:
Filme: A Fortuna de Cookie
Título original: Cookie's Fortune
Produção: EUA, 1999
Diretor: Robert Altman
Com: Glenn Close, Liv Tyler, Charles S.
Dutton, Julianne Moore
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco 1
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