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LITERATURA
Em "Curva de Rio Sujo", escritor trabalha ficcionalmente a memória de sua vivência em cidades de MT e MS
Terron mergulha atrás de infância perdida
FÁBIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL
É como se, numa pororoca, o rio
Apa (MT) desaguasse no Tietê,
misturando tudo de lirismo e sujeira que existe num e noutro.
Quem joga o leitor na tormenta é
Joca Reiners Terron, 35, com seu
"Curva de Rio Sujo".
O escritor, editor e designer gráfico mato-grossense mergulha em
águas caríssimas à literatura, mas
pouco desbravadas em seus trabalhos anteriores, as novelas
"Não Há Nada Lá" (2001) e "Hotel
Hell" (2003). É da memória que
trata essa reunião de contos, e no
título está posta a metáfora que
traduz os fantasmas amontoados
no imaginário. "Curva de rio sujo
só junta tranqueira", diz o autor.
Igualzinho à memória, emenda.
O universo infantil de Terron
emerge na primeira parte do livro, aberta com o nascimento de
sua mãe. Surge um Mato Grosso
repleto de capangas cantando
guarânias, rios onde bóiam cadáveres, índios hostis, motoqueiros
que morrem como moscas, incesto, zoofilia, abuso sexual.
Nascido em Cuiabá, o escritor,
que vive em São Paulo, morou até
os 16 anos em cidades de MT e
MS: Cuiabá, Alto Araguaia, Bela
Vista, Fátima do Sul e Dourados.
Fundamental no livro, a recuperação desse imaginário é também
estopim do seu processo criativo.
"A memória é um poderoso instrumento de fabulação amoral,
assim como a mentira. Como
sempre foi difícil lembrar coisas
da infância, me apropriava das
lembranças dos outros para criar
as minhas próprias. Sob esse aspecto, o esforço para lembrar dos
fatos da infância foi meu primeiro
exercício ficcional."
No capítulo "infantil" é que está
o conto "Monarks Atravessam o
Apa", no qual três "enfants terribles" da literatura universal (Peter
Pan, aqui chamado de "El Pan",
Huckleberry Finn, o colega de
Tom Sawyer na obra de Mark
Twain, e Nemecek, herói de "Os
Meninos da Rua Paulo") se juntam para tentar recuperar o coração do narrador, arrancado pelo
líder de uma gangue indígena paraguaia. É uma espécie de versão
teen do festejado romance de estréia do autor, "Não Há Nada Lá",
delírio pop integrando ícones da
contracultura. "É exatamente o
que faço em "Curva", utilizando
desta vez as figuras anônimas da
minha família", conta Terron.
Apesar de "Monarks...", é na segunda parte do livro, cujos protagonistas agora são adultos, que
talvez haja mais ecos de trabalhos
anteriores. "É a transformação de
um menino imaginativo do interior em um adulto que trocou a
imaginação pelas drogas e pelas
mazelas da cidade grande. Também nesse sentido o livro procura
retratar o fim da infância."
Assim, crianças da primeira
parte se transmutam, na segunda,
em novos personagens, adultos
-sem que necessariamente o leitor perceba. Ficam para o final do
livro duas das mais ricas narrativas, "Um Drive-In sob o Céu da
Boca", em que um míope que vê
imagens do cinema em manchas
de parede, e o quase-poema "O
Último Vagão Some, os Trilhos e
a Música", atormentada declaração de amor à literatura.
Debate
Autores integrantes da chamada Geração 90, da qual Terron faz
parte, participam de um debate
hoje, às 19h, na livraria Cultura do
shopping Villa Lobos (av. Nações
Unidas, 4.777, tel. 0/xx/11/3024-3599). "Em busca de um estilo
-Geração 90, entre continuidade e
ruptura: uma visão de autor" terá
a presença de Nelson de Oliveira,
Heitor Ferraz, Juliano Garcia Pessanha, Marcelo Mirisola e Luiz
Ruffato.
CURVA DE RIO SUJO. Autor: Joca
Reiners Terron. Quanto: R$ 35 (136
págs.). Editora: Planeta. Lançamento:
hoje, a partir das 18h30. Onde: livraria
Cultura (av. Paulista, 2073, tel. 0/xx/11/
3170-4033).
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