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LIVROS
ROMANCE
Escritor carioca aborda o universo subterrâneo do bairro de Copacabana
Garcia-Roza encontra o submundo em antipolicial
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Nosso Dashiell Hammett perpetra seu "antipolicial". Ao enveredar literalmente pelo submundo,
Luiz Alfredo Garcia-Roza, 69, conhecido autor de romances de detetives, abandona por ora seu Sam
Spade e confronta os supostos limites do gênero.
Em vez do erudito inspetor Espinosa, temos a corajosa motorista de táxi Berenice. O cenário é, de
novo, o decantado bairro de Copacabana, mas agora Garcia-Roza
acrescenta uma pitada mais negra: seus subterrâneos.
O outro protagonista de "Berenice Procura", um sem-teto e
punguista apelidado de Russo, vive num túnel abandonado, aberto
pelas obras de metrô. Além disso,
tem um extenso conhecimento da
rede de galerias pluviais que percorrem o subsolo de Copacabana.
Quando se posta casualmente
próximo à entrada de uma dessas
passagens, torna-se testemunha
de um assassinato.
"Nasci e cresci em Copacabana,
tenho grande intimidade com o
bairro, mas nunca tinha me aventurado pela Copacabana subterrânea", afirma Garcia-Roza à Folha. Trata-se de uma realidade literariamente pouco explorada:
por baixo da Princesinha do Mar
corre "uma rede de galerias pluviais gigantescas".
O espaço onde Russo habita foi
em parte inventado por Garcia-Roza, mas também existe e chegou a ser visitado pelo autor. "Fiquei impressionado quando percorri o túnel, que estava completamente abandonado", conta.
Embora inescapável, o cenário
sombrio não foi, por si só, o que
moveu o romancista a escrever a
história. "Pretendia fazer uma novela curta cuja tônica fosse a questão da ambigüidade, da ambivalência. Não é propriamente um
romance policial, ainda que tenha
o seu andamento. Talvez seja
mais um antipolicial."
A ambigüidade parte do título:
está certo que Berenice procura,
mas procura o quê? Numa de suas
corridas, a personagem vê Russo,
a quem a polícia hipoteticamente
está procurando em conexão com
o assassinato. E passa a segui-lo,
sem que ela mesma saiba a razão.
"Acho que Berenice empreende
duas buscas: por aquilo que ficou
perdido em sua vida e que ela pretende reconquistar; e a busca presente, do tempo investido em algo
que ela não sabe o que é. Nesse
sentido, Russo, uma figura improvável com seus cabelos vermelhos, torna-se quase um signo para Berenice."
Garcia-Roza discorda que o policial seja um gênero de segunda
ou terceira categoria. "Sem dúvida pode tornar-se uma literatura
menor, quando é puro divertimento, quando não provoca o leitor", avalia. Os livros escritos por
Hammett, ou por Patricia Highsmith, ao contrário, "empregam a
intensidade do romance policial,
para tratar de questões humanas
primordiais: a morte, o assassinato, a sexualidade".
A diferença está entre o romance policial que trata a morte "como um problema", o caso dos
"whodunit" (ao pé da letra,
"quem fez isso?", ou seja, quem
matou?) tradicionais, e aqueles
que a encaram como um "enigma". "A morte é uma coisa complicada, mantém-se numa zona
de obscuridade, onde reina o não-dito e sombras nunca iluminadas", observa.
Para o autor, que também é psicanalista, há uma semelhança entre o romance policial desse tipo
enigmático e a ciência fundada
por Freud. "Ambas empreendem
uma busca pela verdade, não a
verdade simples, mas aquela que
desliza pelas sombras, que não se
mostra facilmente", diz.
Sobre se pretende continuar escrevendo histórias com Berenice,
o autor afirma que talvez a aproveite em romances subseqüentes.
A heroína, cujo nome lhe surgiu
"como um letreiro brilhante",
tem uma "certa ousadia, uma dureza" que o agrada. Copacabana
deve continuar sendo o espaço
primordial. "Mudar ou não de
bairro não é uma questão que me
preocupa. Como microcosmos,
Copacabana é infindável em suas
possibilidades", pondera Garcia-Roza. E quanto a seus subterrâneos? Aí, ele é categórico: "Vou
voltar à superfície".
Aos interessados em se arriscar
pela habitação de Russo, uma notícia pouco alvissareira. Com a retomada das obras do metrô, o buraco aberto sob o morro dos Cabritos voltou a ser escavado.
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