São Paulo, sábado, 26 de novembro de 2005

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LIVROS

ROMANCE

Escritor carioca aborda o universo subterrâneo do bairro de Copacabana

Garcia-Roza encontra o submundo em antipolicial

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA


Nosso Dashiell Hammett perpetra seu "antipolicial". Ao enveredar literalmente pelo submundo, Luiz Alfredo Garcia-Roza, 69, conhecido autor de romances de detetives, abandona por ora seu Sam Spade e confronta os supostos limites do gênero.
Em vez do erudito inspetor Espinosa, temos a corajosa motorista de táxi Berenice. O cenário é, de novo, o decantado bairro de Copacabana, mas agora Garcia-Roza acrescenta uma pitada mais negra: seus subterrâneos.
O outro protagonista de "Berenice Procura", um sem-teto e punguista apelidado de Russo, vive num túnel abandonado, aberto pelas obras de metrô. Além disso, tem um extenso conhecimento da rede de galerias pluviais que percorrem o subsolo de Copacabana. Quando se posta casualmente próximo à entrada de uma dessas passagens, torna-se testemunha de um assassinato.
"Nasci e cresci em Copacabana, tenho grande intimidade com o bairro, mas nunca tinha me aventurado pela Copacabana subterrânea", afirma Garcia-Roza à Folha. Trata-se de uma realidade literariamente pouco explorada: por baixo da Princesinha do Mar corre "uma rede de galerias pluviais gigantescas".
O espaço onde Russo habita foi em parte inventado por Garcia-Roza, mas também existe e chegou a ser visitado pelo autor. "Fiquei impressionado quando percorri o túnel, que estava completamente abandonado", conta.
Embora inescapável, o cenário sombrio não foi, por si só, o que moveu o romancista a escrever a história. "Pretendia fazer uma novela curta cuja tônica fosse a questão da ambigüidade, da ambivalência. Não é propriamente um romance policial, ainda que tenha o seu andamento. Talvez seja mais um antipolicial."
A ambigüidade parte do título: está certo que Berenice procura, mas procura o quê? Numa de suas corridas, a personagem vê Russo, a quem a polícia hipoteticamente está procurando em conexão com o assassinato. E passa a segui-lo, sem que ela mesma saiba a razão.
"Acho que Berenice empreende duas buscas: por aquilo que ficou perdido em sua vida e que ela pretende reconquistar; e a busca presente, do tempo investido em algo que ela não sabe o que é. Nesse sentido, Russo, uma figura improvável com seus cabelos vermelhos, torna-se quase um signo para Berenice."
Garcia-Roza discorda que o policial seja um gênero de segunda ou terceira categoria. "Sem dúvida pode tornar-se uma literatura menor, quando é puro divertimento, quando não provoca o leitor", avalia. Os livros escritos por Hammett, ou por Patricia Highsmith, ao contrário, "empregam a intensidade do romance policial, para tratar de questões humanas primordiais: a morte, o assassinato, a sexualidade".
A diferença está entre o romance policial que trata a morte "como um problema", o caso dos "whodunit" (ao pé da letra, "quem fez isso?", ou seja, quem matou?) tradicionais, e aqueles que a encaram como um "enigma". "A morte é uma coisa complicada, mantém-se numa zona de obscuridade, onde reina o não-dito e sombras nunca iluminadas", observa.
Para o autor, que também é psicanalista, há uma semelhança entre o romance policial desse tipo enigmático e a ciência fundada por Freud. "Ambas empreendem uma busca pela verdade, não a verdade simples, mas aquela que desliza pelas sombras, que não se mostra facilmente", diz.
Sobre se pretende continuar escrevendo histórias com Berenice, o autor afirma que talvez a aproveite em romances subseqüentes. A heroína, cujo nome lhe surgiu "como um letreiro brilhante", tem uma "certa ousadia, uma dureza" que o agrada. Copacabana deve continuar sendo o espaço primordial. "Mudar ou não de bairro não é uma questão que me preocupa. Como microcosmos, Copacabana é infindável em suas possibilidades", pondera Garcia-Roza. E quanto a seus subterrâneos? Aí, ele é categórico: "Vou voltar à superfície".
Aos interessados em se arriscar pela habitação de Russo, uma notícia pouco alvissareira. Com a retomada das obras do metrô, o buraco aberto sob o morro dos Cabritos voltou a ser escavado.


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