São Paulo, quinta, 26 de novembro de 1998

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DISCO - ANÁLISE
"Álbum Branco' virou lenda com brigas e tragédia

do "Notícias Populares"

"The Beatles"/"White Album" virou lenda menos pela música que por outros fatos relacionados.
É o álbum que marca o início do fim dos Beatles, gravado entre tantas brigas e ambiente tão pesado que o pacífico e cordato Ringo Starr chegou a abandonar a banda por duas semanas. Quando voltou, encontrou no estúdio uma cama que John Lennon colocou para Yoko Ono deitar-se e ficar sempre perto dele no início do romance. A presença constante dela criou mais tensão entre os integrantes.
O "Álbum Branco" também inspirou involuntariamente o psicopata metido a profeta hippie Charles Manson a comandar crimes sangrentos na Califórnia, como o assassinato da atriz Sharon Tate em agosto de 1969. Após ser preso, Manson disse que achava que músicas como "Helter Skelter" e "Blackbird" tinham mensagens ocultas que lhe mostravam que seria necessário matar e promover o caos para realizar uma revolução.
Foi a consequência mais trágica do hábito de fãs de procurar pistas em letras, achando que os Beatles eram uma espécie de novos líderes mundiais. Isso já estava tão forte, antes mesmo do caso Manson, que foi ironizado por John Lennon na música "Glass Onion". Tudo isso obscurece um pouco o valor musical de "White Album", possivelmente o melhor disco de rock feito sob más relações pessoais.
Na hora de tocar, os Beatles conseguiram transformar cada duelo de egos em uma vantagem sonora.
O piano tocado com a sutileza de um coice na introdução de "Ob-la-di, Ob-la-da" é um jeito malcriado de Lennon expressar que achava a canção composta por Paul McCartney uma baboseira. A pirraça deu energia à música e ficou.
Em "While My Guitar Gently Weeps", George Harrison abriu mão de fazer o solo em sua própria composição. Preferiu trazer o guitarrista Eric Clapton ao estúdio para ver se os outros se comportavam bem. Deu certo: ninguém parou de tocar para discutir, e o solo cortante do convidado elevou a canção.
A competição criativa pode ter dado certo na maioria das faixas, mas o produtor George Martin sabia que nem todas eram ótimas e insistiu que fossem selecionadas 14 para um álbum simples. Perdeu, pois nenhum beatle queria ver uma composição sua de fora.
Isso permitiu que inconsequências como "Wild Honey Pie" (com McCartney tocando todos os instrumentos) e "Revolution 9" (uma colagem sonora feita por Lennon e Yoko que costuma ganhar toda eleição de "pior faixa dos Beatles") enfraquecessem o "White Album" em comparação aos outros discos mais importantes do quarteto.
Se é menos enxuto e coeso que "Rubber Soul" (65), "Revolver" (66) e "Sgt Pepper" (67), o "White Album" é a obra mais intensamente rock dos Beatles.
Apesar de ter folk suave como "Julia" ou "Mother Nature's Son" e o jazz leve de "Honey Pie", esse é o álbum da banda com a maior quantidade de rock pouco polido.
Nas guitarras cruas, nos rugidos conturbados de Lennon em "Yer Blues" e "Everybody's Got Something to Hide Except Me and My
Monkey" e no heavy metal sinistro de "Helter Skelter" berrado por McCartney, os Beatles repetem o entusiasmo que levou a banda a ser fundada cerca de dez anos antes.
Mas, em 68, isso não bastava para contornar a crise quando os amplificadores eram desligados. (MO) ²

Disco: The Beatles ("Álbum Branco")
Banda: The Beatles
Relançamento: EMI
Quanto: R$ 36 (duplo; segundo a gravadora, o Brasil receberá 5.000 unidades da série numerada comemorativa)




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