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Cinema nipônico perde mitos essenciais
AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas
No crepúsculo de 1997, um grande ano de retomada criativa do cinema japonês chega ao fim com
duas notas trágicas. As mortes do
ator Toshiro Mifune e do diretor
Juzo Itami (no último fim de semana) suprimem da cena figuras
de rara dimensão internacional.
Mifune e Itami simbolizavam
duas gerações que garantiram ao
cinema nipônico impressionante
repercussão no imaginário fílmico
ocidental. Mifune talvez tenha sido
o isolado caso de ator japonês
(embora chinês de nascimento)
tornado estrela mundial.
As massas provavelmente o reconhecem apenas como um dos
intérpretes da versão em telessérie
de "Shogun". Mas, para os cinéfilos do Ocidente, ele foi o alter-ego
perfeito de Akira Kurosawa, 87,
desde que em 1951 ambos explodiram com "Rashomon".
Apesar de a colaboração ter gerado fortes dramas contemporâneos, foi no tradicional gênero do
"jidai-geki" (filme de época) que
Mifune personificou o guerreiro
samurai; basta ver "Yojimbo"
(1961) ou "Sanjuro" (1962). As
tensões daquele Japão hierático
expressam-se com toda força através de seu ágil corpo e cética face.
É bem outro o Japão satirizado
pela câmera de Juzo Itami. Tradições e ilusões cederam frente à força da corrupção. Ela é cultural em
seu filme mais conhecido no Brasil
("Tampopo - Os Brutos Também
Comem Spaghetti", 1988). Nos demais ("A Coletora de Impostos",
1990, "A Arte da Extorsão", 1992),
é um câncer que se dissemina por
todo o tecido social japonês do
pós-guerra. O suicida Itami foi
apenas mais uma vítima.
Um Coppola nipônico com humor, Itami foi a mais importante
revelação do cinema japonês após
a "nouvelle vague" nipônica de
Imamura, Oshima e Oshida.
Mifune e Itami não deixam sucessores evidentes. Mas, pensando
melhor, talvez o mito de ambos
germine no coração de uma figura
que dialeticamente a ambos nega e
sintetiza: o Takeshi Kitano de
"Hana-bi", a grande revelação cinematográfica desse agônico 1997.
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