São Paulo, sexta, 26 de dezembro de 1997.




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Cinema nipônico perde mitos essenciais

AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas

No crepúsculo de 1997, um grande ano de retomada criativa do cinema japonês chega ao fim com duas notas trágicas. As mortes do ator Toshiro Mifune e do diretor Juzo Itami (no último fim de semana) suprimem da cena figuras de rara dimensão internacional.
Mifune e Itami simbolizavam duas gerações que garantiram ao cinema nipônico impressionante repercussão no imaginário fílmico ocidental. Mifune talvez tenha sido o isolado caso de ator japonês (embora chinês de nascimento) tornado estrela mundial.
As massas provavelmente o reconhecem apenas como um dos intérpretes da versão em telessérie de "Shogun". Mas, para os cinéfilos do Ocidente, ele foi o alter-ego perfeito de Akira Kurosawa, 87, desde que em 1951 ambos explodiram com "Rashomon".
Apesar de a colaboração ter gerado fortes dramas contemporâneos, foi no tradicional gênero do "jidai-geki" (filme de época) que Mifune personificou o guerreiro samurai; basta ver "Yojimbo" (1961) ou "Sanjuro" (1962). As tensões daquele Japão hierático expressam-se com toda força através de seu ágil corpo e cética face.
É bem outro o Japão satirizado pela câmera de Juzo Itami. Tradições e ilusões cederam frente à força da corrupção. Ela é cultural em seu filme mais conhecido no Brasil ("Tampopo - Os Brutos Também Comem Spaghetti", 1988). Nos demais ("A Coletora de Impostos", 1990, "A Arte da Extorsão", 1992), é um câncer que se dissemina por todo o tecido social japonês do pós-guerra. O suicida Itami foi apenas mais uma vítima.
Um Coppola nipônico com humor, Itami foi a mais importante revelação do cinema japonês após a "nouvelle vague" nipônica de Imamura, Oshima e Oshida.
Mifune e Itami não deixam sucessores evidentes. Mas, pensando melhor, talvez o mito de ambos germine no coração de uma figura que dialeticamente a ambos nega e sintetiza: o Takeshi Kitano de "Hana-bi", a grande revelação cinematográfica desse agônico 1997.



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