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Encenador João das Neves prepara livro sobre o grupo teatral
Opinião do avesso
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Um dos fundadores do histórico grupo Opinião (1964-82), o encenador carioca João das Neves,
um teatreiro, como prefere, pede
um estudo mais aprofundado sobre a trajetória da companhia
marcada pela resistência ao regime militar (1964-85).
"Há uma boa bibliografia sobre
Arena [dissidência do Opinião",
sobre o Oficina e até sobre o CPC
[Centro Popular de Cultura da
UNE", embora este com muito
material distorcido, mas sobre o
Opinião há pouca coisa, é uma
história ainda por ser contada
com uma análise crítica daquele
trabalho", diz Neves, 68.
O próprio quer levar a empreitada a cabo. Já tem esboçado um
panorama dos anos 50 aos 80, fruto de palestras que organizou no
Rio, anos atrás. Seu livro refutaria
a percepção "reduzida" de que
uma perspectiva única, politicamente engajada, dominava o repertório do Opinião. Vê polifonia.
"Essa visão preconceituosa do
grupo se manifesta mais pelo silêncio, pela ausência de comentário. Fala-se muito do Vianinha
[Oduvaldo Vianna Filho", do
[Ferreira] Gullar, do Paulo Pontes, mas do Opinião, que teve a
importância que teve, há muita
omissão", argumenta.
Para Neves, a mensagem política de protesto unia-se ao "vigor
artístico", o tratamento estético
apurado na interpretação, na encenação e, sobretudo, no texto.
Cita os cineastas Leon Hirszman ("Eles Não Usam Black-Tie"), Arnaldo Jabor ("Toda Nudez Será Castigada"), Eduardo
Coutinho ("Cabra Marcado para
Morrer") e o dramaturgo Vianinha ("Rasga Coração") como artistas que passaram pelo grupo e
se afirmaram depois.
"Gullar já era um poeta de vanguarda antes de entrar no grupo.
Então, o Opinião era ruim porque
engajado?", questiona.
Um octeto se lançou à frente do
grupo quando este foi constituído
juridicamente, em 1966, com a estréia de "Se Correr o Bicho Pega,
Se Ficar o Bicho Come": Neves,
Gullar, Vianinha, Tereza Aragão,
Paulo Pontes, Pichin Plá, Armando Costa e Denoy de Oliveira.
Dessa turma, afirma Neves, a
maioria tinha uma visão menos
utilitária da arte. Não espera o
contrário nos dias que correm.
"Não há como desligar a arte da
vida", afirma o diretor que também enveredou pela dramaturgia.
Seu texto "O Último Carro", metáfora para o país desgovernado
daqueles anos 60 e 70, foi gestado
no Opinião, mas rejeitado por
desviar do realismo esquerdista.
Uma concepção mais popular
da arte aproximou o Opinião de
artistas de outras áreas, a começar
pelo lendário show batizado com
o mesmo nome do grupo, em dezembro de 1964. Dele participaram Zé Ketti, João do Vale e Nara
Leão, esta logo depois substituída
por Maria Bethânia.
Paralelo ao livro, Neves segue
atuando sob poucos holofotes no
eixo Rio-São Paulo. Em novembro ele dirigiu uma encenação para conclusão de curso de artes cênicas da Unicamp, com a Cia. das
Pessoas, numa extinta pedreira de
Campinas.
Trata-se de uma adaptação do
romance da escritora alemã
Christa Wolf, "Cassandra", revisão do mito grego sob a perspectiva da mulher. A personagem que
alertou sobre a Guerra de Tróia,
mas não foi ouvida, serve de metáfora para a violência contemporânea. Por sincronicidade, o mesmo texto foi montado em Porto
Alegre pela companhia Tribo de
Atuadores de Rua Ói Nóis Aqui
Traveiz, também defensora dessa
arte transformadora.
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