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ANÁLISE
O poder das palavras
ROBERTO ALVIM
ESPECIAL PARA A FOLHA
Desde 2005, tive a honra
de me corresponder
com Harold Pinter por
e-mail. Convidei-o a vir ao Brasil duas vezes, uma delas agora
em novembro, quando estreou
"O Quarto". Nas duas ocasiões,
ele declinou, amavelmente: sua
saúde o impedia. Mas pudemos
falar um pouco sobre teatro em
seus últimos anos de vida.
As primeiras peças de Pinter
foram recebidas com estranheza -era acusado de inábil e insuficiente. Demorou-se a perceber que os buracos em sua
obra eram cavados de modo
calculado. Sua dramaturgia não
podia ser apreciada pela comparação com normas vigentes.
O que ele nos apresentava era
outra visão da experiência humana: se aceitássemos a extravagância de suas premissas,
descortinavam-se aspectos insuspeitados de nossa condição.
Pinter desenvolvera um ponto
de vista fora do comum; via o
terrível por trás do familiar.
O dramaturgo Pinter é como
um poeta: o rigor de suas frases,
seus ritmos, suas pausas devem
ser trabalhados como música.
Seu palco é sempre uma metáfora, desenhada no espaço e no
tempo de modo elaborado.
Seus signos, concretos e fantasmagóricos, amalgamando o banal e o poético, estimulam nosso imaginário e nos conclamam
à busca de significados.
Pinter é a maior influência
sobre a dramaturgia contemporânea. Todos os que escrevem para teatro hoje dialogam
com a precisão, o lirismo, a brutalidade, as ambigüidades de
Pinter. Ele nos mostrou o poder que as palavras têm na
construção e desconstrução de
certezas, ao compor uma dramaturgia que se configura como um jogo de linguagem em
que questões existenciais e políticas se confundem. Sua obra
continuará em evolução em
nossas memórias.
ROBERTO ALVIM, dramaturgo e diretor de teatro, encena atualmente "O Quarto" em SP.
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