São Paulo, sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

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ANÁLISE

O poder das palavras

ROBERTO ALVIM
ESPECIAL PARA A FOLHA

Desde 2005, tive a honra de me corresponder com Harold Pinter por e-mail. Convidei-o a vir ao Brasil duas vezes, uma delas agora em novembro, quando estreou "O Quarto". Nas duas ocasiões, ele declinou, amavelmente: sua saúde o impedia. Mas pudemos falar um pouco sobre teatro em seus últimos anos de vida.
As primeiras peças de Pinter foram recebidas com estranheza -era acusado de inábil e insuficiente. Demorou-se a perceber que os buracos em sua obra eram cavados de modo calculado. Sua dramaturgia não podia ser apreciada pela comparação com normas vigentes.
O que ele nos apresentava era outra visão da experiência humana: se aceitássemos a extravagância de suas premissas, descortinavam-se aspectos insuspeitados de nossa condição.
Pinter desenvolvera um ponto de vista fora do comum; via o terrível por trás do familiar.
O dramaturgo Pinter é como um poeta: o rigor de suas frases, seus ritmos, suas pausas devem ser trabalhados como música.
Seu palco é sempre uma metáfora, desenhada no espaço e no tempo de modo elaborado.
Seus signos, concretos e fantasmagóricos, amalgamando o banal e o poético, estimulam nosso imaginário e nos conclamam à busca de significados.
Pinter é a maior influência sobre a dramaturgia contemporânea. Todos os que escrevem para teatro hoje dialogam com a precisão, o lirismo, a brutalidade, as ambigüidades de Pinter. Ele nos mostrou o poder que as palavras têm na construção e desconstrução de certezas, ao compor uma dramaturgia que se configura como um jogo de linguagem em que questões existenciais e políticas se confundem. Sua obra continuará em evolução em nossas memórias.


ROBERTO ALVIM, dramaturgo e diretor de teatro, encena atualmente "O Quarto" em SP.


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