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ANÁLISE
Coragem bíblica e humor judeu
MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA
Morrer no dia de Natal
foi a derradeira, e
muito típica, ironia
do dramaturgo inglês Harold
Pinter. É verdade que, sendo de
origem judaica, e conhecido pelo ceticismo, Pinter não deveria
ser um grande adepto desta, ou
de outras festividades. Independente, rebelde e dono de talento impressionante, foi um
dos grandes autores teatrais de
nosso tempo, um exemplo da
vertente que o crítico Martin
Esslin denominou de "teatro
do absurdo", e que inclui Samuel Beckett, Eugène Ionesco,
Friedrich Dürrenmatt, Edward
Albee, Fernando Arrabal, Tom
Stoppard e, até certo ponto,
Bertolt Brecht.
Pinter era também um intelectual atuante (leia acima).
Crítico dos EUA e defensor dos
direitos humanos, teve também atitudes discutíveis, como
apoiar Slobodan Milosevic,
presidente da ex-Iugoslávia julgado por crimes de guerra.
Nascido em 1930, ainda adolescente Pinter começou a escrever poesia. Logo, porém, encaminhou-se para o teatro.
Chegou a cursar a Real Academia de Arte Dramática, mas
deu um jeito de cair fora, simulando um colapso nervoso, e
prosseguiu sozinho sua carreira, primeiro como ator e depois
como autor e diretor.
Uma de suas primeiras peças,
"The Dumb Waiter" (o garçom
idiota), foi escrita por sugestão
de um amigo em quatro dias, e
nela já encontramos os elementos que caracterizariam
sua obra: um incidente banal
revela-se misterioso e ameaçador ("teatro da ameaça" foi
uma expressão usada para definir sua obra teatral), mas com
um elemento de comédia sempre presente. A isso acrescenta-se uma linguagem viva, em que
cada palavra (e também as pausas, não poucas: ele conhecia a
importância ansiogênica do silêncio) tem importância transcendente, assim como a surrealista ambigüidade dos diálogos.
Há exatos 50 anos, Harold
Pinter escrevia: "Não há uma
diferença definitiva entre o que
é real e o que é irreal, entre o
que é verdadeiro e o que é falso.
Uma coisa pode ser verdadeira
e falsa ao mesmo tempo".
Soberba definição dos tempos em que vivemos, tempos de
confusão ideológica, política e
moral. Tempos que Harold
Pinter descreveu como ninguém, com a coragem de um
verdadeiro profeta bíblico e o
humor de um alfaite judeu.
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