|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CINEMA
Elogiado pela crítica nos EUA e alvo de reclamações diplomáticas, filme sobre vingança israelense estréia hoje no Brasil
Spielberg expõe feridas em "Munique"
LEILA SUWWAN
ENVIADA ESPECIAL A LOS ANGELES
A filmagem de "Munique" foi
uma espécie de operação secreta
de três meses em Malta, Budapeste, Paris e Nova York, na qual o diretor Steven Spielberg conta a história, baseada em fatos reais, de
uma outra operação secreta, mais
longa e desconhecida: a caça que
Israel patrocinou contra palestinos em toda a Europa para vingar
o assassinato dos 11 atletas israelenses seqüestrados pelo Setembro Negro na Olimpíada de Munique, em 1972.
Assunto espinhoso, reações
passionais. Sem muita publicidade, a estréia e aclamação crítica
nos EUA em dezembro serviram
de pára-choques para variados
ataques antes das estréias mundo
afora -hoje no Brasil.
"Munique" é um thriller político e um drama humano baseado
no livro "A Hora da Vingança",
do jornalista canadense George
Jonas (ed. Record, R$ 59,50). Nele, Spielberg explora as motivações e degradações do terrorismo
e do contraterrorismo, sem as noções preconcebidas de certo e errado, bem e mal, com elenco internacional que inclui palestinos e
israelenses.
Usando cenas reais do noticiário da época, Spielberg recriou o
atentado da Olimpíada, do amadorismo do seqüestro à malfadada operação de resgate que resultou na morte de todos os reféns israelenses e deixou milhões de telespectadores perplexos no mundo inteiro.
"Munique" é recontado em
flashbacks dispersos pelo filme,
ancorando a história do esquadrão de execução do Mossad (serviço secreto israelense) no episódio que marcou, de certa forma, o
fim do idealismo moral e político
de ambos os lados.
O longa é audacioso nisso. Do
lado israelense, mostra a premiê
Golda Meir, interpretada por
Lynn Cohen, friamente assumindo a responsabilidade por cruzar
uma fronteira moral: "Algumas
pessoas dizem que não podemos
nos dar ao luxo de ser civilizados.
Eu sempre resisti a isso, mas hoje
ouço de outra forma".
Do lado palestino, o filme dá voz
a um fictício militante jovem e carismático da OLP (Organização
para a Liberação da Palestina) que
fala da dor da diáspora e do sonho
pela terra em termos calculadamente parecidos à fala de personagens israelenses no filme: "Ter
um lar é tudo". Acusado de lutar
como um animal, refuta: "Pelo
menos o mundo vai começar a
questionar as condições das nossas jaulas".
Aclamado por setores da crítica
americana, "Munique" foi bombardeado por palestinos e israelenses. O cônsul israelense em Los
Angeles condenou a "equiparação moral" dos supostos terroristas com os agentes do Mossad.
Em Israel, políticos chamaram a
trama de fantasiosa. Para os palestinos, as imprecisões históricas
foram difíceis de tragar e a inocência de muitos dos alvos do esquadrão não ficou tão clara. Segundo o jornalista Aaron Klein,
autor de "Contra-Ataque"
(Ediouro, R$ 34,90), muitos dos
palestinos executados pela Europa eram apenas militantes políticos sem ligação com Munique.
Spielberg, que tentou silenciar
diante de polêmicas e deu só uma
entrevista em dezembro, defendeu seu filme.
"Os críticos estão agindo como
se nós não tivéssemos orientação
moral. Claro que é um crime horrível e abominável quando pessoas são seqüestradas e assassinadas", disse à revista alemã "Der
Spiegel". "Mas perguntar os motivos dos perpetradores e mostrar
que eles são pessoas com história
e família não justifica os atos. Entender não é perdoar."
Polêmica à parte, "Munique"
não explica ou justifica a violência. É a história de um heterodoxo
grupo de agentes israelenses que
embarcam numa caça de vingança. À medida que progridem surgem os questionamentos explícitos: a falta de provas, a dúvida sobre os resultados práticos da operação e a corrupção do ideário ético e religioso dos personagens.
O líder é Avner (Eric Bana), jovem nacionalista e idealista que
afunda lentamente numa espiral
de culpa, paranóia e auto-exílio.
No grupo: o sul-africano Steve
(Daniel Craig), encarregado das
fugas; o alemão Hans (Hanns
Zischler), falsificador de documentos; o belga Robert (Mathieu
Kassovitz), especialista em explosivos; e o estrategista israelense
Carl (Ciaran Hinds).
As dúvidas começam com o primeiro assassinato, de Wael Zwaiter, poeta e intelectual palestino,
em Roma. Tiros nervosos derrubam a vítima cujas compras estateladas acabam numa mistura literal de sangue e leite, sinalizando
os conflitos do porvir.
A partir daí, o grupo começa a
estremecer, o perigo e os questionamentos tomam a dianteira com
brigas sobre o propósito das missões: alguém viu as provas? Não
estamos apenas repondo a liderança da OLP com radicais?
Valem menções a operação no
Líbano (que ocorreu quase uma
década depois), na qual aparece
um jovem Ehud Barak, disfarçado de mulher, e o cinismo de
Geoffrey Rush, na pele de Ephraim, um dos chefes do Mossad.
O filme termina com as Torres
Gêmeas fazendo pano de fundo
para os créditos, cena que muitos
críticos americanos interpretaram como um convite à reflexão
sobre os instrumentos e feitos na
luta contra o terror após os atentados do 11 de Setembro.
A jornalista Leila Suwwan viajou a Los
Angeles a convite da Universal
Texto Anterior: Polêmico, mas chato Próximo Texto: Saiba mais: Grupo terrorista seqüestrou 11 atletas de Israel Índice
|