São Paulo, sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

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CINEMA

Elogiado pela crítica nos EUA e alvo de reclamações diplomáticas, filme sobre vingança israelense estréia hoje no Brasil

Spielberg expõe feridas em "Munique"

LEILA SUWWAN
ENVIADA ESPECIAL A LOS ANGELES

A filmagem de "Munique" foi uma espécie de operação secreta de três meses em Malta, Budapeste, Paris e Nova York, na qual o diretor Steven Spielberg conta a história, baseada em fatos reais, de uma outra operação secreta, mais longa e desconhecida: a caça que Israel patrocinou contra palestinos em toda a Europa para vingar o assassinato dos 11 atletas israelenses seqüestrados pelo Setembro Negro na Olimpíada de Munique, em 1972.
Assunto espinhoso, reações passionais. Sem muita publicidade, a estréia e aclamação crítica nos EUA em dezembro serviram de pára-choques para variados ataques antes das estréias mundo afora -hoje no Brasil.
"Munique" é um thriller político e um drama humano baseado no livro "A Hora da Vingança", do jornalista canadense George Jonas (ed. Record, R$ 59,50). Nele, Spielberg explora as motivações e degradações do terrorismo e do contraterrorismo, sem as noções preconcebidas de certo e errado, bem e mal, com elenco internacional que inclui palestinos e israelenses.
Usando cenas reais do noticiário da época, Spielberg recriou o atentado da Olimpíada, do amadorismo do seqüestro à malfadada operação de resgate que resultou na morte de todos os reféns israelenses e deixou milhões de telespectadores perplexos no mundo inteiro.
"Munique" é recontado em flashbacks dispersos pelo filme, ancorando a história do esquadrão de execução do Mossad (serviço secreto israelense) no episódio que marcou, de certa forma, o fim do idealismo moral e político de ambos os lados.
O longa é audacioso nisso. Do lado israelense, mostra a premiê Golda Meir, interpretada por Lynn Cohen, friamente assumindo a responsabilidade por cruzar uma fronteira moral: "Algumas pessoas dizem que não podemos nos dar ao luxo de ser civilizados. Eu sempre resisti a isso, mas hoje ouço de outra forma".
Do lado palestino, o filme dá voz a um fictício militante jovem e carismático da OLP (Organização para a Liberação da Palestina) que fala da dor da diáspora e do sonho pela terra em termos calculadamente parecidos à fala de personagens israelenses no filme: "Ter um lar é tudo". Acusado de lutar como um animal, refuta: "Pelo menos o mundo vai começar a questionar as condições das nossas jaulas".
Aclamado por setores da crítica americana, "Munique" foi bombardeado por palestinos e israelenses. O cônsul israelense em Los Angeles condenou a "equiparação moral" dos supostos terroristas com os agentes do Mossad.
Em Israel, políticos chamaram a trama de fantasiosa. Para os palestinos, as imprecisões históricas foram difíceis de tragar e a inocência de muitos dos alvos do esquadrão não ficou tão clara. Segundo o jornalista Aaron Klein, autor de "Contra-Ataque" (Ediouro, R$ 34,90), muitos dos palestinos executados pela Europa eram apenas militantes políticos sem ligação com Munique.
Spielberg, que tentou silenciar diante de polêmicas e deu só uma entrevista em dezembro, defendeu seu filme.
"Os críticos estão agindo como se nós não tivéssemos orientação moral. Claro que é um crime horrível e abominável quando pessoas são seqüestradas e assassinadas", disse à revista alemã "Der Spiegel". "Mas perguntar os motivos dos perpetradores e mostrar que eles são pessoas com história e família não justifica os atos. Entender não é perdoar."
Polêmica à parte, "Munique" não explica ou justifica a violência. É a história de um heterodoxo grupo de agentes israelenses que embarcam numa caça de vingança. À medida que progridem surgem os questionamentos explícitos: a falta de provas, a dúvida sobre os resultados práticos da operação e a corrupção do ideário ético e religioso dos personagens.
O líder é Avner (Eric Bana), jovem nacionalista e idealista que afunda lentamente numa espiral de culpa, paranóia e auto-exílio.
No grupo: o sul-africano Steve (Daniel Craig), encarregado das fugas; o alemão Hans (Hanns Zischler), falsificador de documentos; o belga Robert (Mathieu Kassovitz), especialista em explosivos; e o estrategista israelense Carl (Ciaran Hinds).
As dúvidas começam com o primeiro assassinato, de Wael Zwaiter, poeta e intelectual palestino, em Roma. Tiros nervosos derrubam a vítima cujas compras estateladas acabam numa mistura literal de sangue e leite, sinalizando os conflitos do porvir.
A partir daí, o grupo começa a estremecer, o perigo e os questionamentos tomam a dianteira com brigas sobre o propósito das missões: alguém viu as provas? Não estamos apenas repondo a liderança da OLP com radicais?
Valem menções a operação no Líbano (que ocorreu quase uma década depois), na qual aparece um jovem Ehud Barak, disfarçado de mulher, e o cinismo de Geoffrey Rush, na pele de Ephraim, um dos chefes do Mossad.
O filme termina com as Torres Gêmeas fazendo pano de fundo para os créditos, cena que muitos críticos americanos interpretaram como um convite à reflexão sobre os instrumentos e feitos na luta contra o terror após os atentados do 11 de Setembro.


A jornalista Leila Suwwan viajou a Los Angeles a convite da Universal

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